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Sexta-feira ,26 Abril, 2024
Artigos de Opinião

A marca de Korrodi em Alcanede e em Santarém?

A cidade Santarém já é rica em importantes testemunhos arquitectónicos do século XX. Nomes como os de Cassiano Branco, de Rodrigues Lima, de Pedro Cid ou de Amílcar Pinto figuram entre os autores do património novecentista da nossa cidade. E nem valerá a pena referir o fantástico plano urbanização de João Aguiar, o qual só por si merecerá um estudo aturado, que não cabe em singela crónica. Porém, tem estado desconhecida do público e, até, da própria comunidade científica, uma hipotética marca de Ernesto Korrodi no concelho de Santarém.

Ernesto Korrodi nasceu na Suiça, em 1870. Radicou-se em Portugal a partir de 1899, onde desenvolveu uma carreira ligada, sobretudo, ao ensino artístico. Mais tarde, já como arquitecto esteve associado às correntes revivalistas da arquitectura nacional. Desenvolveu uma interpretação própria da “escola” de Viollet-le-Duc, defendendo, entre nós, a necessidade restauro e de salvaguarda do património monumental do país. Ligado profissional e sentimentalmente à cidade do rio Lis, ficou famoso o seu projecto de reabilitação para Castelo de Leiria. Deixou obra espalhada pelo país, com um núcleo produção mais significativo precisamente em Leiria. Contudo, terá o seu caminho artístico passado por Santarém?

De facto, apesar de não estar estudado, o inventário da obra deste arquitecto, incluso no livro Ernesto Korrodi (1889-1944): arquitectura, ensino e restauro do património (Lisboa, Estampa, 1997), de Lucília Verdelho da Costa, menciona um “Teatro em Santarém”. Trata-se de um conjunto de peças desenhadas com o título “Projecto de ampliação e de colocação de cortina de ferro para Teatro em Santarém”, sem data e assinado por Ernesto e Camilo Korrodi, seu filho, hoje à guarda do Arquivo Distrital de Leiria (ADLRA).

Terá tal projecto visto a luz do dia? Dos desenhos originais, apenas sobra um corte, uma planta e alguns desenhos de pormenor da cortina de ferro, onde se refere: “plateia: 53 lugares” e “balcão: 40 lugares”, dando a entender que seriam esses os lugares a aumentar. O pé direito do corte e o desenho clássico das colunas interiores fazem-nos pensar que o projecto se destinaria à primeira sala do Teatro Rosa Damasceno (o qual se chegou a chamar Teatro de Santarém). Porém, o número de lugares, mesmo considerando que seriam resultantes da ampliação, parece apontar outras hipóteses.
 

Nesta altura — o projecto deverá ter sido realizado entre anos 20 e os anos 40 do século XX, no máximo —, existiriam mais dois teatros a funcionar em Santarém. Só um estudo comparativo entre os desenhos que subsistem e os registos das salas, entretanto modificadas, dois actuais Teatros Taborda, Rosa Damasceno e Sá Bandeira, poderá esclarecer, definitivamente, esta questão. Contudo, mesmo que tenha sido executado, tal projecto já não passa de memória urbana, ainda que com interesse histórico, terá sido apenas “marca de água” deixada por Korrodi em Santarém.

Mais consistente foi o projecto para Alcanede. Trata-se de um conjunto de desenhos intitulados: “Projecto de Jazigo para Cemitério de Alcanede, n.º 23”, também à guarda do ADLRA e integrados no Fundo de Ernesto e Camilo Korrodi. Ao contrário do projecto de ampliação para um teatro, estes alçados, cortes e estudos prévios para um jazigo não estão assinados. O jazigo destinou-se ao Padre João Gustavo Rebelo e Família, data de cerca de 1940 e hoje, sob forma pétrea, desafia o tempo, com uma marca artística, no cemitério de Alcanede. Neste caso, existe parte do projecto e a obra edificada, apenas podem subsistir dúvidas da autoria pela ausência de assinatura nos desenhos. O inventário de Lucília da Costa não refere o jazigo alcanedense, mas faz menção de um “projecto de túmulo”, de 1940. Poderá ser alusão ao monumento funerário do Padre Gustavo Rebelo?

Na nossa investigação em História da Arte, temos seguido uma máxima: “o monumento é documento de si próprio”. Se não bastassem as restantes evidências, os motivos decorativos das portas metálicas deste monumento funerário quase ostentam o nome do autor. O jazigo não terá monumentalidade do Mausoléu encomendado pelo Conde de Burnay, mas tem claras afinidades estéticas com essa e com outras obras funerárias de Korrodi.
 

Ernesto e Camilo Korrodi passaram por Santarém. Por certo visitaram os teatros locais e para um deles conceberam um plano de ampliação. Contudo, foi em Alcanede que deixaram marca indelével, num modesto mas elegante Jazigo familiar. Do túmulo vê-se no horizonte a silhueta do Castelo de Alcanede, como se a morte continuasse a sorrir ao tempo e os homens buscassem nas pedras erguidas ilusões de eternidade.

José Raimundo Noras
Historiador

Jazigo Korrodi Alcanede
                                  Jazigo do Padre João Gustavo Rebelo e Família – Cemitério de Alcanede
 

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