Era mais um dia como outro qualquer, um final de semana, 6.ª feira. De regresso a casa, algures no caminho, uma ave castanha num voo fugaz passou-me ao lado da viatura e chamou-me à atenção. Esta ave parecia um tordo! Um tordo nesta altura do ano! Ficou-me a dúvida.
Passou-se o Sábado e aquela imagem não me saía da cabeça. Tinha de tirar esta informação a limpo. No Domingo, bem cedo, pus-me a caminho e lá fui tirar a dúvida. Sabia que, apesar de os tordos na nossa zona serem espécies que só ocorrem no período frio, de outubro a março, e que, para além deste período, existem observações esporádicas até ao final de abril de indivíduos retardados na migração, uma observação desta espécie no mês de maio poderia indiciar que estaria a nidificar algures na freguesia de Alcanede. A confirmar-se tal proeza seria com certeza um dos primeiros registos, senão mesmo o primeiro. Tinha esse feeling e segui essa intuição.
A nidificação de Tordo-comum nestas latitudes já não é algo de extraordinário como o era aqui há poucos anos, porque a população reprodutora desta espécie no nosso país tem tido uma expansão para sul em anos recentes, alargando a distribuição conhecida que estava limitada ao norte e ao centro do país. A confirmação desta tendência são os inúmeros registos de nidificação existentes na zona do Oeste, onde a influência do clima temperado atlântico proporciona condições de fresquidão e humidade apropriadas à nidificação desta espécie. Em Alcanede, estamos no outro lado da serra dos Candeeiros, mais afastados do mar, com um clima mais quente de influência mediterrânica, o que constitui um fator limitante à nidificação desta espécie. A verificar-se este facto seria algo de incomum.
Como disse, pus-me ao caminho. Trazia o trabalho de casa bem feito, com a indicação dos locais mais propícios à nidificação naquela zona, assim como o estudo dos acessos a percorrer.
Há dias de sorte, e aquele domingo foi um desses dias, logo no primeiro local escolhido escutei e gravei o canto fantástico desta espécie, o observei e fotografei o indivíduo em questão, cuja fotografia e áudio aqui se publica. Mas estes registos da espécie não são por si só uma prova de nidificação, era preciso evidências mais significativas. Tal só foi possível ao fim de uma hora de seguimento deste indivíduo, quando foi observado a transportar alimento no bico para dar às crias, provavelmente ainda no ninho. Deste modo, ficou assim confirmada para a posteridade a nidificação de Tordo-comum (Turdus philomelos) na freguesia de Alcanede, ocorrida no dia 15 do mês de maio do ano de 2022.
Como disse o dia era de sorte e, por isso, continuei a minha caminhada e foi com muita satisfação que pude observar e ouvir o canto da nossa Rola-brava (Streptopelia turtur) por três vezes, que é coisa rara nos tempos que correm, face ao declínio desta espécie nas últimas décadas. No total, registei 41 espécies de aves, uma doninha (Mustela nivalis) e dois coelhos (Oryctolagus cuniculus), num percurso de pouco mais de 3 quilómetros.
Por fim, ainda me cruzei com gente amiga, o grupo de caminheiros da Cristina Neves, que cumprimentei. Que dia pleno. Abençoado dia.
Áudio
Luís Ferreira