A POPULAÇÃO DA FREGUESIA DE ALCANEDE ESTÁ HÁ 40 ANOS A DECRESCER,
SOMOS HOJE TANTOS QUANTOS ERAMOS EM 1900!
O INE publicou na 4ª, dia 28.07.2021, os resultados preliminares dos CENSOS 2021, onde se verifica uma perda de população em Portugal nos últimos 10 anos de 214.286 habitantes, uma queda de 2% comparativamente com os Censos de 2011. Estes resultados, em termos gerais, revelam um acentuar do padrão de litoralização e concentração da população junto das zonas metropolitanas, nomeadamente, de Lisboa.
Olhando os resultados do concelho de Santarém e da freguesia de Alcanede, verifica-se uma variação negativa entre 2011 e 2021 de -4,8%, com uma perda de -2982 habitantes ao nível do concelho, e de -12,6%, com uma perda de -571 habitantes, ao nível da freguesia.
Numa análise geral sobre os resultados do concelho de Santarém, ao nível das freguesias, verifica-se que só a União de Freguesias da Cidade de Santarém tem uma variação positiva nos últimos 10 anos, ainda assim, muito fraca, de 0,5 %, tendo as restantes uma variação negativa, com 8 das 18 freguesias com uma variação negativa acima de 10%, respetivamente: Abrã, Alcanede, Almoster, Arneiro das Milhariças; Amiais de Baixo; Moçarria, Pernes e UF de Azoia de Cima e Tremês (ver fig.1).
Enquanto indicador estatístico, os resultados preliminares dos censos de 2021 para a freguesia de Alcanede acentuam a tendência negativa sobre o decréscimo da população, cuja queda reflete-se desde a década de 1980 e, de então para cá, tem-se agravado, designadamente, na variação das últimas duas décadas (ver Fig.2).
Esta é a síntese de um gravíssimo problema que afeta o desenvolvimento do concelho de Santarém e, em particular, da freguesia de Alcanede, sobre o qual, autarcas e comunidade em geral, não têm dado a devida relevância. Por defeito de formação, este resultado não constitui nenhuma surpresa para mim para a freguesia de Alcanede, infelizmente confirmou-se as minhas previsões que referi num outro artigo que publiquei no Portal de Alcanede e que pode ler aqui (link para o artigo de opinião: https://portalalcanede.pt//do-calvario-da-er-361-a-desilusao-da-en-362/).
A perda de população é um problema nacional, fala-se e estuda-se muito sobre o assunto mas faz-se muito pouco para inverter esta situação. Os resultados preliminares revelam que o problema já não se reflete só no interior e que começa agora a atingir também alguns municípios do litoral.
A problemática da perda de população é uma questão complexa de se resolver, sendo a sua resolução tanto mais fácil quanto mais cedo se atacar esta questão. É preciso aprender com os escassos casos de sucesso de variação positiva no interior do país e nos restantes evitar que se chegue a um ponto sem retorno, que ocorre de forma subtil. Quando ouvimos nos noticiários autarcas a divulgarem medidas avulsas, como a atribuição de subsídios à natalidade e à fixação de casais, em regra, eu digo: já foste.
Deixo aqui à consideração do leitor a minha reflexão sobre este assunto, com três questões ligadas à responsabilidade, às consequências e às soluções, desta problemática, em que refiro alguns exemplos que melhoram a compreensão coletiva sobre esta matéria.
A quem podemos atribuir a responsabilidade de termos quatro décadas seguidas com perda de população?
Num primeiro plano, a classe política, com maior responsabilidade ao nível da administração local. Porque a “decisão” é sempre uma questão política, que pode, ou não, ser acompanhada / suportada pelo conhecimento técnico. Os resultados evidenciados nos censos 2021 são o reflexo das políticas, ou da ausência delas, levadas a cabo no território.
Num segundo plano, toda a comunidade, porque não existindo resultados positivos, década após década, quem não advoga nem revindica a mudança de políticas, muito pelo contrário conforma-se e resigna-se com o “status quo”, também tem a sua cota parte de responsabilidade.
Para mim, o problema do desenvolvimento dos territórios de baixa densidade populacional não é tanto a falta de investimento público mas sim a falta de massa crítica. Não existem nestes territórios lideranças com capacidade para definir estratégias de desenvolvimento, com visão a longo prazo, que reúnam consensos e sinergias nos agentes locais, para obter capacidade reivindicativa para captar investimento público e privado que sirva de alavanca ao desenvolvimento local.
Vejamos alguns exemplos de situações que eu designo por custos da subserviência a Santarém e amorfismo coletivo da freguesia de Alcanede:
- O Plano Diretor Municipal, vulgo PDM, é um instrumento de gestão territorial que estabelece a estratégia de desenvolvimento local através de um modelo de desenvolvimento e organização do território assente na classificação e qualificação do solo. Este é o objetivo conceptual, na prática, no PDM de Santarém, não podemos falar nem de estratégia nem de planeamento mas sim de tudo o que é o seu contrário. O PDM em vigor data de 1995 (RCM n.º 111/95, de 24 de outubro), foi elaborado à pressa com um único intuito: evitar que a Câmara Municipal de Santarém ficasse impedida de concorrer aos fundos comunitários (determinação do 1º Ministro Cavaco Silva ao tempo). Face a este contexto deveria ser revisto logo que possível ao final de três anos, mas já conta com 26 anos e quase duas dezenas de alterações (remendos), quando a sua vigência determina a sua revisão ao final de 10 anos. Na minha vida profissional nunca vi coisa igual, chega-se ao cúmulo de se impedir a edificação no interior de lugares infraestruturados, pela simples razão de o PDM não ter definido os perímetros dos mesmos. Passam-se dezenas de anos sem que se corrija o plano com enormes constrangimentos para a população e para o desenvolvimento local. Acusa-se o PDM do bloqueio ao desenvolvimento do concelho quando os verdadeiros culpados são os autarcas. Os maus planos não tem a culpa da irresponsabilidade de quem os aprovou.
- Regozijamo-nos hoje com a construção do pavilhão gimnodesportivo, mas este equipamento deveria ter sido construído aquando da Escola Básica de Alcanede. Deveríamos pois refletir e questionarmo-nos como é que foi possível deixarmos passar 27 anos sem este equipamento em Alcanede.
- Acima referi que política é acima de tudo decisão, a não decisão é também ela uma decisão, por isso, interrogo-me: estamos a dois meses de eleições autárquicas e não se perfilam publicamente os candidatos nem os debates de ideias para a freguesia. Um marasmo! Como podemos querer alterar o rumo do desenvolvimento da freguesia com uma atividade política assim?
- Os mandatos do Dr. Moitas Flores como presidente da Câmara Municipal de Santarém são um exemplo de como o populismo paga-se caro. Vivemos na altura tempos alegres, de festa em festa. Achávamos que era a pessoa certa no lugar certo. Depois veio a fatura com o endividamento da Câmara e o recurso ao PAEL- Programa de Apoio à Economia Local, um nome pomposo para apoiar as autarquias na bancarrota. Passada quase uma década continuamos a pagar a fatura com taxas e impostos elevados o que contribui para a perda de competitividade territorial e retração do investimento. Não existem almoços grátis! Temos que ter mais cuidado com os políticos que nos acenam com “cenouras” de pura demagogia.
- Por fim, refiro o exemplo do Movimento Cívico pela repavimentação da ER361, como demonstração do quanto é relevante a participação cívica organizada para reivindicar melhores condições de vida ao nível local, por oposição ao que se passou na EN 362, onde a capacidade reivindicativa levada a cabo pelas autarquias falhou ou foi menos conseguida.
Quais as consequências para o desenvolvimento futuro da freguesia de Alcanede com o resultado deste indicador estatístico?
A análise direta e indireta das consequências da perda de população não é um assunto que se possa explicar em poucas palavras mas, de uma maneira geral, a população residente sente os seus efeitos através da sensação de viver num território em morte lenta, em que a serenidade dá lugar à agonia. Afetará de forma transversal toda a comunidade e em todos os setores, político, económico, social e ambiental, resumindo-se nos seguintes aspetos:
- Do ponto de vista político, perdemos capacidade reivindicativa perante a administração central e local do estado e, consequentemente, o investimento público em equipamentos e infraestruturas será cada vez mais reduzido;
- Ao nível económico, o comércio local tende a encerrar, a indústria e as atividades económicas tendem a ficar cada vez mais dependentes de mercados, matéria-prima e recursos humanos externos e, na falta destes, encerram ou deslocalizam-se. A captação de investimento externo é dificultada ou será inexistente;
- Ao nível social, a estrutura da população tende a ficar mais desequilibrada, com o peso dum maior número de idosos a sobrecarregar a população ativa, que terá maior dificuldade em encontrar emprego estável e local. Os problemas sociais agudizam-se de forma generalizada. A população jovem será menor e tenderá a imigrar/emigrar. A captação de população residente ao nível externo tenderá a diminuir, podendo manter ou mesmo aumentar a população sazonal de fins de semana e férias, caso o território se torne atrativo para esse fim;
- Ao nível ambiental, poderão ocorrer efeitos positivos pela menor pressão/perturbação antrópica sobre os sistemas ecológicos, mas o abandono da atividade agrícola tradicional conduzirá a uma maior perda de biodiversidade e aumentará a vulnerabilidade destes sistemas aos incêndios rurais.
O que é preciso fazer para inverter a tendência de perda de população?
Para um problema complexo, a agudizar-se, não existem soluções fáceis, muito menos milagrosas. Existem, várias “receitas” tiradas de manual que se podem aplicar, mas nenhuma delas funciona sem ajustamentos à realidade local ou com aplicação de ações avulsas e de “navegação à vista”. Requerem estratégia, visão, organização, muito trabalho e dedicação, atributos que muito raramente encontramos na classe política.
Para esse feito, enumero alguns passos que teríamos de dar para se iniciar um processo de resposta ao problema da perda de população:
- 1º passo – Reconhecer coletivamente a necessidade de mudança de rumo. O caminho percorrido conduz-nos a um beco sem saída e é necessário alterá-lo. Teremos também que interiorizar que o processo de resposta é lento, assim como a obtenção de resultados. Afinal, políticas erradas com décadas não se mudam de um dia para outro.
- 2º passo – Refletir o território e fazer o diagnóstico, naquilo que tecnicamente se designa por uma análise SWAT – aplicação de uma técnica com a qual se identifica as forças (strengths), as fraquezas (weakness), as oportunidades (opportunities) e as ameaças (threats) em relação à freguesia de Alcanede. Ou seja, percebemos as situações de que nos orgulhamos, porque somos bons (forças), como é o caso do setor das pedreiras, mas é preciso ter a coragem e humildade de reconhecer que temos muitas deficiências a corrigir (fraquezas), porque, na realidade não estamos a ser nenhum caso de sucesso. Depois perceber que existem várias ameaças sobre o território cujo controle está fora do nosso alcance alterar, como é o caso das acessibilidades, e que é preciso atenuar com o aproveitamento e a exploração das oportunidades. Por exemplo, muitos de nós falamos das potencialidades turísticas da freguesia de Alcanede, com a sua história e belezas naturais. Esse potencial é uma oportunidade a explorar.
- 3º passo – É refletir o território com base no diagnóstico. Ou seja, definir uma visão para a freguesia de Alcanede, a longo prazo, que se entenda que com ela podemos debelar as fraquezas e minorar as ameaças, reforçando as nossas forças e explorando as oportunidades.
Refletir o território e definir uma visão para o mesmo passaria, obviamente, por um processo de debate e discussão. Primeiro com um grupo multidisciplinar restrito, depois seria necessário levar essa discussão para os diferentes setores de atividade e, finalmente, com muita da matéria já trabalhada, levar-se-ia o debate para o seio da comunidade. Quem conhece minimamente a componente cultural do funcionamento da população da freguesia de Alcanede claramente perceberá que tínhamos aqui uma tarefa herculana. Poderia aqui elencar tantos exemplos de quanto somos mesquinhos e de mentalidade pequenina numa freguesia grande, mas deixo essa reflexão para o estimado leitor. Agora, dizem os académicos, que não existe desenvolvimento sem o envolvimento ativo da população, e, por isso, este debate de alguma forma teria que ser feito.
- 4º passo – Definir uma estratégia ou várias, consoante os campos de atuação, articulada entre os diferentes setores da sociedade, tendo por base os resultados do diagnóstico e da discussão, com objetivo de alcançar a visão que foi definida para o território da freguesia de Alcanede.
- 5º passo – Por fim, monitorizar os passos dados de forma a poder aferir/redefinir o rumo em relação ao objetivo traçado, que é alcançar a visão pensada para o futuro da freguesia de Alcanede.
Seguindo um procedimento destes, ou algo do género, estaríamos a construir algo estruturalmente sólido para o desenvolvimento local da freguesia de Alcanede, que não tenho dúvidas que estancaria esta sangria de perda de população. Depois, que viessem as leis da física “quanto maior a massa do corpo maior a sua atratividade”.
Luís Ferreira