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Sexta-feira ,26 Abril, 2024
Entrevistas

António Batista: “Teria sido melhor começar do zero”

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abatistaVai fazer no próximo mês de Agosto, três meses que a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Alcanede (A.H.B.V.A) tem uma nova equipa diretiva. Apesar de recente, já é possível fazer um balanço do trabalho desenvolvido até este momento e nesse sentido, o Portal de Alcanede foi ao encontro do presidente da direção da instituição.Na entrevista que nos concedeu, António Batista apela ao apoio da população, fala do que se pretende para o futuro dos bombeiros, e sem rodeios afirma que a anterior direção fez uma má gestão.

antoniobatista1Nesta conversa, o dirigente fala ainda das entidades que devem dinheiro aos Bombeiros de Alcanede, nomeadamente a autarquia de Santarém e os Bombeiros de Pernes e confirma que existem “movimentações” para se encontrar um novo comando para a corporação que serve as freguesias de Alcanede e Gançaria.

Portal Alcanede – Vai fazer no próximo dia 3 de Agosto, três meses que a direção por si presidida foi eleita para tomar conta dos destinos da A.H.B.V. Alcanede. Que balanço faz destes primeiros meses de trabalho?

António Batista – É um balanço positivo, mas com muitas dificuldades. Dificuldades baseadas em situações que não estávamos à espera, nomeadamente ao nível da tesouraria. Existem verbas por receber da parte vários organismos, por exemplo da câmara municipal de Santarém, mas não só. Neste momento só uma entidade nos está a enviar a quantia de cerca de três mil e cem euros mensais, que é a proteção civil, de resto há um ano que ninguém paga nada.

Lembro que a instituição tem um orçamento mensal que ronda, mais ou menos, os dez a quinze mil euros e assim é difícil. Estamos a lutar e com a certeza de que vamos conseguir, mas não é nada fácil.

Portal Alcanede – Quais foram as primeiras medidas que tomaram?

António Batista – De imediato tentar perceber como era feita a gestão anterior, de forma a poder adequá-la à nossa. No entanto, tivemos logo um contra tempo com a ida de férias da funcionária da secretaria, o que nos obrigou a recorrer a pessoal particular para dar andamento ao trabalho. Por exemplo, a parte de programação (informática) não estava a funcionar de maneira correta! Nem os recibos dos pagamentos e serviços prestados podiam ser enviados às pessoas. Perante este cenário, julgo que só lá para o final deste ano poderemos dar uma resposta positiva e colocar tudo a funcionar da melhor forma.

Portal Alcanede – É quase começar do Zero?

António Batista – Teria sido melhor começar do zero. Se assim fosse, nós ditaríamos as nossas regras e aquilo funcionava.

Portal Alcanede – No seu entender, o que é preciso para levar a bom porto a gestão de uma casa com características tão específicas, como é o caso dos bombeiros?

António Batista – Na minha opinião é fundamental uma boa participação das pessoas, sócios e população ativa. Há aqui um pormenor que eu desconhecia, a maioria dos cidadãos pensam que os bombeiros estão ali a viver não sei de quem!!, e que não têm o dever de contribuir para o serviço que lhes é prestado.

Por exemplo, quando chamam uma ambulância e depois lhes é cobrado um valor, ficam muito espantados e dizem “então eu paguei e o outro não pagou!?”. É preciso que entendam que é o CDOS (Comando Distrital de Operações de Socorro) que coordena tudo e que informa os bombeiros de quem deve pagar e de quem não deve pagar, consoante a urgência dos casos. Por vezes é complicado explicar isto às pessoas, mas com calma lá chegaremos.

Portal Alcanede – Da parte da câmara municipal de Santarém, neste momento, o que falta pagar?

antoniobatista2António Batista – Faltam os pagamentos desde Janeiro deste ano até agora. São cerca de trinta e cinco mil euros. Já lá fomos e a resposta é que nos próximos três meses não vale a pena insistir porque não têm verbas para dar a ninguém.

Temos também um serviço que vigora na base de um protocolo assinado entre os voluntários de Alcanede, Santarém e Pernes, e que continua da nossa parte a ser cumprido, embora tenha existido um interregno durante um tempo, porque o nosso ex-comandante terá dito que não fazia mais o trabalho porque não lhe pagavam, apesar de que o deveria ter feito por escrito, e não apenas verbalmente. Mesmo por escrito, o responsável por esse protocolo é Pernes e não Alcanede. Pelo que já analisei, alguém lá colocou o nome de Alcanede, mas não está assinado por ninguém.

Nesta altura, e desde Agosto do ano passado que não recebemos nada de Pernes. Estamos a falar de cerca de vinte e cinco a trinta mil euros, e não temos qualquer garantia de quando essas verbas serão pagas. Se isto continuar assim, temos mesmo de parar os serviços, pelo menos não temos a despesa.

O hospital da misericórdia de Santarém, o INEM e uma serie de entidades, também desde Março até agora, ninguém paga nada!

Portal Alcanede – Em relação aos bombeiros profissionais que fazem parte da corporação alcanedense, neste momento estão com as contas em dia?

António Batista – Está tudo pago. Este mês temos dinheiro reservado para lhes pagar, mas para o próximo não sabemos! Há a segurança social para pagar, dois leasings de duas ambulâncias, enfim, uma quantidade de despesas fixas, incluindo os combustíveis, que são pesadas. Se não houver verbas, alguma coisa tem de acontecer.

Portal Alcanede – Ao nível das viaturas, está operacional?

António Batista – Estão todas com a manutenção feita, desde pneus, travões, suspensões, revisões completas. Não são coisas que em termos de custos fossem demasiadamente dispendiosas, mas estavam mal. É uma questão de segurança para todas as pessoas. Pneus lisos como estavam, para mim é um absurdo.

Aproveito para agradecer a dois fornecedores de pneus da nossa região a quem lhes disse “só posso pagar quando tiver dinheiro!” E os dois foram lá oferecer pneus… dados. Para mim foi muito importante. Um deles foi o Carlos da Muniauto de Rio Maior, e outro, o senhor Vítor de Tremês, que inclusivamente me disse “será que é agora que posso oferecer alguma coisa para os bombeiros de Alcanede?”.

Não consigo compreender, porque é que a anterior direção não aceitava este tipo de doações! Faz-me confusão.

Portal Alcanede – O que o levou a assumir a direção da A.H.B.V. Alcanede?

António Batista – O que me levou a assumir, sem o conhecimento real de como estava aquela associação, foi aperceber-me há já algum tempo que aquilo não estava a funcionar bem e que não havia ninguém que se oferecesse, incluindo eu. Entretanto, fui contactado para fazer parte de uma equipa que pudesse assumir a direção e escolheram-me para ser o presidente.

Eu sou assim, quando há situações mais complicadas encaro as coisas como um desafio e como é uma associação humanitária, mais precisa de alguém que tente dar a volta às situações mais difíceis. Acredito que tudo irá correr bem, não é, é tão fácil e tão rápido como eu queria que fosse.

Portal Alcanede – Tem de haver aqui também, um grande espirito de voluntariado da sua parte e de todos os elementos que compõem a lista, até porque têm as vossas vidas profissionais e pessoais?

António Batista – Sem dúvida. Temos de retirar um bom bocado do nosso tempo profissional e pessoal e vestir completamente a camisola para o voluntariado. Já agora, aproveito para dizer o seguinte, as pessoas pensavam que esta nova direção chegava ali e revolucionava aquilo tudo, que havia dinheiro, que comprávamos novas ambulâncias, etc! Não pode ser assim. Primeiro temos de colocar tudo a funcionar como deve ser.

Recordo que quando ali chegámos não havia inspeção de duas viaturas, não havia oficina, e também não lhes fiavam! Tudo isso começou logo a funcionar.

Estou muito empenhado em fazer um bom trabalho, mas já o disse uma vez e volto a repetir, se esta nova direção soubesse como aquilo estava, não sei se teríamos avançado. Certamente iam na mesma porque alguém tinha de ser, mas seria de outra forma.

antoniobatista3Portal Alcanede – Foi notória a participação da população no arraial promovido pela direção e pelos bombeiros no passado mês de Junho. Na sua opinião, a que se deveu a enorme adesão da parte das pessoas?

António Batista – Julgo que terá sido por solidariedade e uma forma de elas expressarem o seu apoio para com a nova direção. Uns já nos conheciam, outros aproveitaram para ver os rostos dos novos elementos.

Além disso, também lá foram pessoas que, segundo me disseram pessoalmente, estavam, não direi proibidos, mas que não eram desejados ou bem-vindos naquelas instalações até então. Houve até quem chorasse! Pessoas que foram fundadoras dos bombeiros voluntários de Alcanede e que tinham prometido a elas próprias que nunca mais iriam ao quartel, mas como a direção era esta, acabaram por aparecer, demonstraram a sua felicidade em lá estar, e manifestaram o seu apoio.

Também houve quem tivesse sido convidado e avisado por carta e telefone e não aparecesse. Foi notada a falta do presidente de junta de freguesia da Gançaria, os bombeiros socorrem também a população da Gançaria. Acho que ficava bem ter aparecido e disse-lhe isso mesmo pessoalmente.

O apoio não pode ser visto apenas pela parte monetária, é bom ouvir dizer “estou aqui”, “o que precisas?” e isso sensibilizou-me muito. Até ex-bombeiros, de mais idade quase choraram ao pé de mim. Desconhecia que as coisas estivessem assim! Fiquei até um pouco chocado.

Há coisas que me deixam muito surpreendido. Hoje sei que muita documentação que entrava naquela casa não era arquivada em computador. Dá a sensação que se escondia alguma coisa ou que não estavam autorizados a mostrar. Inclusivamente descobri uma listagem que estava escondida e nem a moça que lá está (secretaria) nos falou do assunto ou nos mostrou essa listagem. Por mais anos que viva não vou esquecer isto.

Houve pessoas que deram materiais para o quartel, uma parte oferecida e outra parte a cobrar. Mas neste momento, a maioria, não sabemos quem são, nem quanto está em divida! Por um lado, queremos agradecer-lhes e por outro, pedir-lhes que esperem um pouco mais até encontrarmos verbas para lhes pagar. Este é um trabalho que não deveria ser feito por nós, mas sim pela anterior direção.

Até posso dar o meu exemplo (enquanto empresário), ofereci para o quartel cinco mil euros e foram para lá quinze mil de materiais e nunca me apareceu aqui ninguém a perguntar se eu queria dar o resto ou se não queria. Nem sequer direito tive a um recibo para pôr na contabilidade. Ora, se isto aconteceu comigo, não sei o que terá acontecido com os outros.

Atenção, que eu não estou a acusar ninguém de ter feito algum desvio, não acredito nisso, apenas considero que houve uma má gestão.

Portal Alcanede – Apesar das dificuldades, sente que este novo ciclo trouxe motivação aos bombeiros voluntários de Alcanede?

António Batista – Trouxe motivação e esperança de uma mudança. Expliquei-lhes que essa mudança não pode ser radical, tem de ser necessariamente lenta. Há muitas coisas que queremos mudar, mas que nesta altura ainda não temos estrutura suficiente para isso.

Portal Alcanede – Quantos associados tem agora a A.H.B.V. Alcanede?

António Batista – São cerca de 1700 sócios, mas a pagar são 700. Uns não têm pago porque foram expulsos por carta, outros deixaram de pagar por não estarem satisfeitos com a direção que lá estava, e outros não queriam ser sócios porque não acreditavam naquilo. É a resposta que me dão!

Portal Alcanede – Então a pergunta que lhe faço é: O que fazer para inverter essa tendência?

António Batista – Fazer mais convívios para que as pessoas sintam que os bombeiros estão com a população, e que as pessoas estão com os bombeiros. Só com o contributo de todos é que a instituição pode sobreviver.

Portal Alcanede – Pagando as quotas já estão a ajudar muito…

António Batista – Exatamente. É preciso sensibilizar as pessoas para a importância do pagamento das quotas. A manutenção de tão importante instituição em Alcanede passa por aí. Acho que uma parte das pessoas não dá o devido valor aos bombeiros, e não dão porque eles estão cá e alguém lhes está a pagar.

Portal Alcanede – Ou seja, o sucesso desta instituição/corporação passa por apoios incondicionais. É preciso que percebam que não podem só exigir, é preciso ajudar e colaborar…

António Batista – É fundamental. Espero que um dia possamos chegar aos dois mil sócios, embora saiba que nem todos poderão pagar, mas que fossem mil e quinhentos pagantes já era um excelente balão de oxigénio para nós. Estamos a falar de quinze euros por ano. Neste sentido, foi recentemente enviada uma carta para os sócios com quotas em atraso, para que nos ajudem a regularizar a situação, porque dessa forma estarão a dar um enorme contributo para que os nossos bombeiros se mantenham.

Já agora, também um muito obrigado a todas as pessoas que estão a contribuir e bastante, com a doação de bens alimentares (através de uma recolha feita nos mini e supermercados de Alcanede) e que servem para dar a alimentação aos ECINs (equipas de combate a incêndios) enviados pela proteção civil nesta época de maior risco e que todos os dias comem no quartel, durante três meses. Agradecemos muito este importante apoio que está a ser dado aos bombeiros.

Portal Alcanede – Acreditamos que neste momento, outra das preocupações se prenda com a escolha do futuro comandante da corporação. Para quando a resolução desta questão?

António Batista – Previa que a situação se pudesse manter como está até ao final deste ano, mas não. Temos de encontrar um 1º Comandante, que por sua vez, escolherá o seu 2º Comandante. É urgente.

Portal Alcanede – Há nomes em cima da mesa? Já foi encontrado o perfil ideal para o comando dos voluntários de Alcanede?

António Batista – Há movimentações. Mas neste momento ainda não apareceu ninguém a dizer “está aqui o meu nome e se precisarem dele, está aí”, ainda ninguém o fez. Existem apenas movimentações, que nós percebemos de quem são, mas até agora ninguém se apresentou. Também não acho que seja a melhor forma, porque as pessoas devem apresentar-se.

Portal Alcanede – Durante o Verão vamos continuar tal qual como está?

António Batista – É provável que de um momento para o outro tenhamos um comandante, não sabemos. Segundo o comando distrital, eles próprios, também não têm ninguém para nos dispensar. No fundo, disseram-nos para nos desenrascarmos e encontrarmos um comandante o quanto antes.

Como deve calcular, eu não tenho nenhuma experiência de bombeiros e não sei exatamente que perfil o comandante deve ter! Não sou a pessoa indicada para isso, deve ser alguém mais experiente. Já falei com muitas pessoas, bombeiros voluntários e não só. Sei que há pessoas interessadas em serem comandantes, mas o perfil ideal é que é complicado.

Portal Alcanede – Voluntários também nunca são demais. São precisos mais em Alcanede?

António Batista – Todos são poucos. Inclusivamente, até há agora uma campanha neste momento a pedir para que se alistem nos bombeiros de Alcanede. Esse era outro pormenor que eu não conhecia bem! Mas, como tenho passado muitas horas com eles (bombeiros), começo a perceber que apesar de termos cinquenta a sessenta voluntários, muitos deles estão nas suas terras, trabalham, estão dispersos e não é fácil entre todos, ter ali diariamente cinco ou seis que possam pernoitar no quartel. Isso é feito com alguma dificuldade, daí que seja necessário aparecerem mais voluntários.

Portal Alcanede – Que futuro prevê para tão importante instituição?

António Batista – Prevejo que seja possível criar uma maneira de encontrar uma fórmula que possa fazer da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Alcanede uma instituição auto-suficiente. São coisas que estão a ser estudadas, e como tal não posso adiantar muito mais. Só o farei quando tiver a certeza que as soluções a apresentar serão sólidas e válidas.

Portal Alcanede – É um desafio grande para si e para toda a sua equipa?

António Batista – É um desafio muito grande e penso que só irá estar muito bom daqui a dois ou três anos. Tem de ser a medio/longo prazo, é impossível de um dia para outro ter ideias e adaptá-las imediatamente. Não funciono com coisas em “cima do joelho”, assim não dá para funcionar.

Portal Alcanede – Muito obrigado pelas suas declarações e felicidades para este novo desafio na sua vida…

António Batista – Muito obrigado.

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