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Sexta-feira ,26 Abril, 2024
Entrevistas

Entrevista Paulo Paulino – Professor de Dança Desportiva em Aldeia da Ribeira

A Escola de Dança Desportiva do Centro Cultural e Recreativo de Aldeia da Ribeira tem, desde o início deste ano, um novo diretor técnico. Júri e treinador nacional, júri internacional e júri na Pro Division, Paulo Paulino é também um dos poucos que detém o nível III, o máximo para treinadores, em Portugal. Perante o novo desafio, o Portal de Alcanede foi ao seu encontro para conhecer melhor o seu percurso profissional, a realidade atual da modalidade e quais as metas que pretende alcançar em Aldeia da Ribeira.


Portal de Alcanede – Já vamos olhar em concreto para a direção artística da Escola de Dança Desportiva de Aldeia da Ribeira, funções que iniciou no arranque deste ano, no entanto, e se me permite, gostaria de recuar um pouco no tempo para situar os nossos leitores sobre a sua carreira nesta modalidade. Quando é que surgiu a vontade e o gosto pela Dança Desportiva?

Paulo Paulinho – Posso dizer que sou um “old fashion” já que fui dos primeiros que iniciou a dança em Portugal, tinha os meus modestos catorze anos. Em relação ao gosto pela dança desportiva, essa é mais recente, porque a dança desportiva não tem muitos anos de atividade. Na altura usávamos uma nomenclatura que era a “Dança de Salão”, usada numa componente mais artística digamos assim, uma modalidade que estava muito pouco desenvolvida no nosso país e em que os pioneiros foram os alunos de Apolo. Eu sou oriundo da zona do Cartaxo, e o Cartaxo na altura, há cerca de vinte anos, tinha uma das maiores escolas, em termos de volume de pessoas na dança e o gosto surgiu quando um amigo, comum, acabou por me convencer. Achei que era uma benesse muito grande para um homem saber dançar face à concorrência e com a idade que tinha achei realmente interessante entrar nesse Mundo. No fundo, tudo começou por uma brincadeira.

Portal de Alcanede – Estamos a falar uma grande paixão?

Paulo Paulino – Sim, a dança é algo que faz parte de mim e que irá comigo até ao final dos meus dias. A determinada altura da minha vida, tive um convite para dançar no estrangeiro, ainda muito novo e, imaturamente, pensei que podia fazer disto a minha vida! Efetivamente tenho o meu trabalho, que dá substância à minha vida profissional e pessoal, mas a dança… sim, faz parte de uma componente até superior a 50% do meu bem-estar.
Não vivo a dança só pelas aulas, como professor, tento implementar uma série de regras que aprendi no meu dia-a-dia, no meu seio familiar e até, nesta fase, no contexto das minhas filhas, tentando a todo o custo que elas tenham um rumo enquanto adolescentes, que tenham sonhos e possam conquistá-los, algo que até, no caso delas, pode não passar pela dança.
Antigamente, a dança era algo mais “light” do que é hoje, mesmo em termos federativos não havia a carga que existe atualmente, em que as pessoas que entram neste Mundo são projetadas para um futuro muito mais próximo de nós, nomeadamente com os meios de comunicação que temos ao dispor e que hoje fazem com que as pessoas vivam muito mais rapidamente uma realidade competitiva que anteriormente não se sentia.

Portal de Alcanede – Existe algum timing para quando se deve começar a dançar de forma competitiva e para quando se deve parar? Nomeadamente quando falamos de competições de alto nível?

Paulo Paulino – Competitivamente, hoje em dia, não damos muito espaço para que isso aconteça por alguns motivos estratégicos, da própria dança e também em termos federativos. Tentamos que as pessoas quando vêm para esta modalidade tenham um objetivo comum que é dançar, sendo algo sustentado pela competição. A dança social, aquela que serve de patamar ou trampolim à dança de competição tem um fator importante, no meu ponto de vista, porque acaba por preparar as pessoas para aquilo que vão encarar numa sala. Já dançar, numa exibição ou no contexto de um show, nada tem a ver com um confronto competitivo onde somos avaliados por quatro ou cinco pessoas que estão ali a atestar o nosso trabalho e a tentarem perceber se temos, ou não, capacidade para prosseguir mais além.
A questão “quando devemos deixar de dançar?” é algo muito dúbio e apela um bocadinho ao livre arbítrio das pessoas. Pessoalmente, como dancei de uma forma muito intensiva, passei grande parte da minha vida na dança em Inglaterra, levava isto a um extremo. De resto, sou muito extremista, no bom sentido, nos projetos a que me coloco e, no meu caso em concreto, deixei de dançar quando achei que tinha atingindo o meu topo de carreira. Além disso, um acidente fez com que o meu par tivesse sofrido uma rotura no menisco do joelho, o que impossibilitou a minha continuidade. Tentei com outros pares, mas foram dez anos de historial ligado a um par e a cumplicidade que se tem com a pessoa acaba por ser muito grande e por muito que eu trabalhasse, não consegui atingir os resultados que queria. Como já tinha chegado a um patamar muito bom, tinha na altura 27 ou 28 anos, acabei por sair e foi uma opção pessoal.
Portal de Alcanede – Enquanto dançarino, teve algum momento que o tenha marcado mais? Algo que não esquece?
Paulo Paulino intro 1

Paulo Paulino – Felizmente tive muitos momentos interessantes. Existe um lugar no Mundo, que hoje em dia não tem muita expressão nos mais jovens, que é Blackpool (Inglaterra), onde se realiza todos os anos (em maio) um campeonato que para nós é, ou era, o ex-libris de toda a competição a nível mundial. 2000 Pares oriundos de toda a parte do Mundo e onde nós poderíamos ver as nossas vedetas, pessoas pelas quais tínhamos um carinho especial na dança, ao vivo. Atualmente, isso acontece semanalmente se nos deslocarmos às vizinhas Espanha e França, é rápido irmos a Riga, é rápido irmos a um país de leste onde podemos ver pares “topo de gama” com enorme facilidade e Blackpool era algo com que sonhávamos e trabalhávamos, arduamente, durante um ano inteiro!
Tenho uma situação, precisamente em Blackpool, em que consegui chegar pela primeira vez a uma final num espaço tão carismático. Felizmente tenho imensas taças em casa, mas as duas que ali consegui obter têm um significado muito especial para mim. Já levei alunos meus até lá, acham o campeonato interessante, mas não conseguem viver aquilo como eu vivi, porque há vinte anos atrás as coisas eram completamente diferentes.
Também fiz uma semifinal e final num campeonato na Alemanha, mas numa componente muito mais “comercial”.

Portal de Alcanede – Sei que tem um curriculum muito vasto nesta vertente da Dança Desportiva, com inúmeros prémios obtidos, variadíssimas presenças em campeonatos, quer em Portugal quer no estrangeiro. Se não estou em erro, até com maior destaque para as participações além fronteiras e daí a seguinte questão: O nosso país está ao nível dos melhores do Mundo ou ainda lhe falta algo mais?

Paulo Paulino – Ao nível da qualidade de dança, estamos um bocadinho longe. Do ponto de vista federativo, estamos muito mais perto do que estávamos. Do ponto de vista do país, com peso numa modalidade que poderá, eventualmente, chegar aos jogos olímpicos e estamos a trabalhar para isso, continuamos a ser aquele país que, como em todas as modalidades, infelizmente, representamos pouca expressão!
Considero que nos tempos que correm, a Rússia é o país que tem o mecanismo mais bem implementado de formação base e posso dar um exemplo, os miúdos com quatro ou cinco anos de idade já têm na escola uma componente de dança que depois é potenciada por uma estrutura e gestão de carreira naqueles garotos, onde eles vão crescendo nos vários níveis, têm uma vertente de dança de salão ou dança desportiva, mas vão “beber” influências de outras danças que acabam por potenciar diversos estilos.
Portugal tem alguns valores individuais, felizmente alguns pares têm apostado muito na carreira deles e acabam por conseguir potenciar o seu valor internacionalmente e acho até, se me permitem dizer, pela qualidade que apresentam mereciam, efetivamente, melhores resultados.

Paulo Paulino intro 2Portal de Alcanede – Quando alguém tem uma vocação para determinada área e depois segue outra carreira diferente, é habitual dizer-se que se perdeu “qualquer coisa”! No caso do Professor Paulo Paulino, a informática não perdeu um bom engenheiro, já que essa também é outra atividade profissional que mantem?

Paulo Paulino – Sim. Quando dançava sempre foi incutido pelos meus pais que, “dançar sim”, mas era importante ter uma estrutura profissional que me pudesse sustentar no futuro, ainda bem que o fizeram e ainda bem que consegui acatar e interiorizar esse conselho, embora na minha cabeça, durante muito tempo, eu estudava para poder dançar.
Atualmente tenho uma empresa da qual acabo por viver, mas a componente da dança é algo que não consigo me abstrair! Felizmente consegui o melhor dos dois, a possibilidade de trabalhar na área da informática e ter um complemento adicional que é a dança, algo que me ajuda a descomprimir um bocadinho do mundo empresarial e vice-versa.

Portal de Alcanede – É mais fácil formar um futuro professor de Dança Desportiva ou uma promessa (aluno) da modalidade?

Paulo Paulino – Conheço vários exemplos no Mundo de pessoas que são boas professoras ou bons professores e que, algures em determinada época, tiveram de ter experiência de dança. Ou seja, saber lecionar algo, não advém do facto de termos uma capacidade física inerente para tal. Algo que me preocupa atualmente, e tenho expressado essa minha opinião à federação prende-se com o seguinte: Quando acabei o meu curso, dei formação durante oito anos, formação exaustiva e, nesse nível, acabei por perceber muito bem como contactar com as pessoas, como aplicar os meus conhecimentos. Na dança existe um conjunto de fatores, que passam por saber, exatamente, o que estamos a fazer e, agregado a isso, existe a necessidade dos alunos verem.
Há um exercício que faço quando dou formação. Coloco as pessoas na pista ou na sala e começo por dizer o nome de um ou dois passos e digo em inglês a sequência do passo e estou fisicamente a fazer ao contrário. Quando olho para o espelho, todos me estão a seguir! Isto quer dizer que as pessoas seguem aquilo que estão a ver e não aquilo que ouvem e, nesse contexto, acho que não é fácil dar aulas. Muitas pessoas dão, têm capacidade para isso, existem excelentes dançarinos que outrora dançaram em pistas e que são excelentes executantes, contudo, poderão não ser excelentes professores.
Eu fiz parte, a convite da federação, da última formação para professores e também para treinadores, além da última formação para júris, e são três trabalhos completamente distintos e nesses momentos consegui comprovar que existem pessoas que sabem muito de determinada matéria, eventualmente a nível prático são capazes de decorar todos os pormenores da técnica, mas ao nível da execução não são brilhantes. Ou seja, o resultado geral cai para uma mediana de 50%. Acho que o mais importante é usarmos uma boa pedagogia, saber o que estamos a fazer e no final do dia é necessário motivar as pessoas. Quando uma aluna nova chega, e temos aqui em Aldeia da Ribeira casos assim, e vê na pista um par que dança muito bem, ela tem dois fatores a funcionarem imediatamente na sua cabeça, um deles é o fator desmotivante ao pensar “eu não vou conseguir fazer aquilo!” outro, é dizer-lhe com alguma calma, “eles dançam assim porque andam aqui há imenso tempo e começaram pelo percurso que tu também vais iniciar e o teu objetivo será algo semelhante”, não será igual porque cada um de nós é diferente.
 

Portal de Alcanede – Abraçou recentemente o desafio lançado pela direção da Escola de Dança Desportiva do Centro Cultural de Aldeia da Ribeira para desempenhar as funções de Diretor Artístico. Como é que se deu a possibilidade?

Paulo Paulino – Fui contactado para este projeto, inicialmente, para a componente de danças clássicas, já que escola tinha um professor residente que dava a vertente de latinas. Na altura, este foi o projeto apresentado numa tentativa de coabitarmos os dois e, efectivamente, as danças são distintas. No entanto, existiam algumas situações que teriam de ser limadas quando se trabalha com dois profissionais e eu tenho outras escolas onde trabalho com até mais de dois profissionais. Na minha opinião, tem de haver alguém que dite o plano de trabalho, o plano de execução, o que é necessário. Ao fim e ao cabo, usando uma expressão informática, qual é o “Business Plan” para apresentar à direção e, nesse contexto, quando a direção me contactou, a primeira coisa que fiz foi tentar perceber qual era o plano das latinas para que pudesse fazer uma mescla com o meu e levarmos aos responsáveis da escola os objetivos comuns.
A situação foi colocada em cima da mesa e eu sou uma pessoa, como direi?… As pessoas têm uma ideia minha um pouco mais singular, acham que sou de difícil trato por ter atualmente um historial na dança muito forte, no sentido de que sou júri e treinador nacional, sou júri internacional e júri internacional na Pro Division, sou nível III em Portugal, que é o nível máximo para treinadores, o que no nosso país só acontece comigo e julgo que com mais três pessoas.
Neste sentido é necessário que, quando me convidam, se reúnam uma série de fatores que me permitam trabalhar e manter um nível ao qual estou habituado. Neste contexto, Aldeia da Ribeira, através da direção, mostrou-se recetiva à importância do meu contributo. Infelizmente, o professor que cá estava, por motivos que me são alheios, acabou por sair e perguntaram-me se eu queria abraçar o projeto na sua plenitude.
Estou muito contente com o desempenho das pessoas que estão a trabalhar comigo. Nomeadamente com a direção por todo o apoio que me tem dado, sendo com enorme satisfação que aqui estou. É um desafio que ainda está a começar, ainda somos muito pequenos, mas acredito que temos uma componente humana, quer em termos de dançarinos quer em termos de responsáveis, e que poderemos levar este projeto a bom porto. Claro que levará algum tempo até que possamos ter a qualidade que eu pretendo para Aldeia da Ribeira.

Portal de Alcanede – Satisfeito com os pares que encontrou em Aldeia da Ribeira?

Paulo Paulino – Sim, atualmente estamos com cerca de oito pares, temos ainda uma série de meninas e meninos que ainda não estão perfeitamente enquadrados mas, felizmente, a cada novo ensaio aparece sempre mais uma pessoa ou mais um par, e isso, para mim, é muito bom porque no início estávamos com um fluxo muito menor. Essa vontade representa que as pessoas estão a gostar, a apoiar e a perceber que o projeto tem tudo para ser positivo e espero, no futuro, que possamos ter uma escola com mais dez, doze ou quinze pares.

Portal de Alcanede – Pelo que sei, continua a ser mais fácil encontrar elementos femininos para dançar do que rapazes com a mesma frequência. Considera que ainda há um percurso, ao nível da mentalidade, a percorrer nos próximos tempos?

Paulo Paulino – Esse é um tema que não é fácil abordar. Esta questão de existirem mais mulheres do que homens é histórica! Talvez, um pouco, pela nossa mentalidade já que vivemos num país de costumes antigos onde subsiste aquela ideia de que dançar não se aplica muito aos homens. A verdade é que, quando eles vêm, são muito mais céleres e muito mais permanentes do que propriamente as meninas! Elas são mais voláteis e eles acabam por ficar durante muito tempo.
É interessante a pergunta, porque a zona onde nos encontramos, o Ribatejo, é talvez das zonas que tem produzido melhor qualidade ao nível de dançarinos (homens). Sendo uma terra muito vocacionada para a área da tauromaquia, acaba por ser interessante ver que as pessoas que apostam neste desporto têm jeito, dedicam-se e têm grande capacidade. Aquela ideia, multifacetada, que vive na mente das pessoas não faz qualquer sentido.

Portal de Alcanede – Gostaria de deixar alguma mensagem especial aos que estão a ler esta entrevista?

Paulo Paulino – Gostava de lançar o repto para as pessoas que são professores ou executantes, para que impulsionem qualidade, olhem para a dança como um contexto global. Por vezes, entristece-me um pouco o facto de usarmos uma modalidade, que movimenta muitas pessoas, e muitas vezes as más interpretações acabam por levar ao desfasamento de uma série de pares que tenho vindo a acompanhar, e que ajudei a crescer, e que hoje nem tão pouco estão ligados à dança!
Para os que estão a pensar dançar, gostava de lembrar que “dançar dá saúde”, digo isso muitas vezes e tenho alguns casos práticos disso, médicos inclusive, que atestam que a dança faz bem, é uma forma saudável de fazermos exercício e traz uma componente adicional muito boa, que é o convívio.
Para os pais, talvez os elementos mais importantes, pensem na dança como algo onde podem estar completamente descansados, onde os filhos podem estar longe de más influências. A dança ajuda a que as pessoas sigam um rumo e tenham um objetivo. Quase nenhum deles fuma ou tem um vício dessa natureza, de resto, vejo muitos jovens a uma sexta-feira a não saírem à noite porque têm competição no dia seguinte.

Portal de Alcanede – Obrigado por esta conversa com o Portal de Alcanede…

Paulo Paulino – Eu é que agradeço o interesse e a disponibilidade do Portal de Alcanede, muito obrigado.

Paulo Paulino intro 3
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