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Sábado ,27 Abril, 2024
Entrevistas

Prazeres Carvalho: “O que eu queria, era ir para a escola”

pcarvalho

pcarvalhoChama-se Prazeres da Piedade Carvalho e completa 104 anos no próximo dia 8 de Dezembro de 2010. Natural da freguesia de Alcanede, a nossa entrevistada, nasceu em Casal do Russo (Oleiros) e reside há cerca de 78 anos em Mosteiros. Apesar das muitas dificuldades que enfrentou na vida, considera que sempre foi uma mulher feliz. Relembra os seus pais como uns “santos” e o Dr. Fernando Melo, como o seu “Anjo da Guarda”. Nesta conversa a Dona Prazeres não revela a receita para tanta longevidade, mas deixa algumas dicas interessantes.

O Portal de Alcanede ficou completamente rendido à sua simplicidade e alegria contagiantes.

donaprazeres3Portal Alcanede (PA) – Como se chamavam os seus pais?

Prazeres Carvalho (Prazeres C) – Meu pai, Manuel Carvalho e minha mãe, Antónia da Piedade. Éramos cinco irmãos, a mais a velha chamava-se Maria Antónia, a seguir era o meu irmão Manuel, depois o Alfredo, a seguir eu e a mais nova chamava-se Flores.

PA – Como é que foi a sua vida?

Prazeres C – A minha vida foi muito atribulada. Logo em pequena, fui guardar gado e não gostava nada, mas quem mandava era o meu pai… não era a gente. O que eu queria, era ir para a escola.

PA – E conseguiu ir à escola?

Prazeres C – A professora (a Dona Prazeres não se recorda do nome) um dia chamou o meu pai e disse-lhe para me deixar ir à escola. Mas ele disse-lhe que eu andava a guardar bezerras e por isso, não podia… então um dia, minha mãe virou-se para o meu pai e disse: “Oh Manel deixa ir a cachopa à escola e quando ela tiver mais idade, a gente logo vê como é que resolve o problema.” E assim foi. Meu pai, coitadinho, disse: “A ser assim, vamos fazer isto de outra maneira. As bezerras vendem-se e tu vais para a escola. Mas olha que tens de aprender, senão sais de lá e vais guardar o gado outra vez.” Felizmente não foi preciso. Graças a Deus fui aprender e foi bom para todos. Os meus irmãos não sabiam ler nem escrever e assim pude ajudá-los.

PA – E estudou até à 4ª classe?

Prazeres C – Não, foi só até à 3ª classe. Quando cheguei à 4ª disse à professora: “Olhe! Com isto é que eu não me entendo bem. Há aqui uns problemas que eu não sou capaz de resolver.” Mas já foi muito bom!

PA – Além da escola, o que fazia mais a Dona Prazeres?

Prazeres C – Ia sempre levar o comer (numa caldeira) aos meus irmãos que andavam a trabalhar. A minha mãe, coitadinha, fazia a comida e eu levava a caldeira, as minhas irmãs levavam os pratos e o pão. Mas um dia… começaram a dizer: “Olha um cão danado, olha um cão danado!” Eu comecei a fugir, entornei o comer e vim para casa a chorar. A minha mãe quando me viu a chorar perguntou: “O que foi Prazeres?”, “Entornei o comer minha mãe e agora os meus irmãos não tem que comer.” E a minha mãe, que era uma Santa e o meu pai também, disse-me: “Não chores. Ainda ali tenho comer. Em vez de cearmos levas este que estava guardado para mais logo.” E assim foi.

PA – E que outros trabalhos teve?

Prazeres C – Trabalhava para quem me falava! Para a Aldeia de Além, para Alcanede, para o Vale do Carro. Ia mondar com um sacho, arrancar as ervas do trigo. Também ceifei muito para o tio Zé Lopes, só que ele não pagava muito bem, dava menos dinheiro (risos) e eu queria ganhar mais.Também fiz muita apanha de azeitona. Era uma mulher de trabalho.

donaprazeres2PA – Ao que sabemos, ainda hoje (com quase 104 anos) ainda apanha azeitona?

Prazeres C – Sim. Mais devagar, as costas não ajudam muito, mas ainda ajudo alguma coisa.

PA – Lembra-se de como era Alcanede e as terras vizinhas antigamente?

Prazeres C – Era tudo muito pobre, não havia luz e as estradas eram como são agora! Não tinham jeito nenhum. (Risos). Também não se via nenhum carro, o carro era… o carro das pernas que levavam a gente e traziam!

PA – O que acha da mocidade de hoje em dia?

Prazeres C – No meu tempo a mocidade era melhor. Agora anda muita inveja no Mundo e naquele tempo não era assim.

PA – E a Dona Prazeres gostava de dançar?

Prazeres C – Gostava muito. Ia aos bailes e bailava sempre, isso era sempre. Tinha sempre par graças a Deus e não era com aqueles mais ordinários… que os mais ordinários chegavam ao pé de mim e diziam: “Ó menina vamos dançar?” e eu respondia: “Não senhor, já tenho par.” De vez em quando a minha irmã Maria Antónia perguntava: “Quando será o dia em que serás escaldada?!” e eu dizia-lhe: “Não sou não. Eles são espertos, mas ajudam-me a ser esperta também, não são só eles.” (Risos)

PA – Qual foi a melhor prenda que recebeu quando era jovem?

Prazeres C – Uns sapatos. Muito jeitosos, eram lindos e que nós chamávamos de «vitela gorda».

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LEGENDA:da esquerda para a direita: Fernando Formiga, Maria de  Lurdes, Vítor Graça, Deotilde Filipe, Américo Santos


PA – Podemos dizer que a Dona Prazeres foi sempre uma mulher feliz?

Prazeres C – Sim, graças a Deus muito feliz. Os meus pais e os meus irmãos foram sempre muito meus amigos e os meus filhos também. O Dr. Fernando (Melo) também tem sido o meu «Anjo da Guarda». Eu estive muito doente há pouco tempo (dois anos) e ele tem sido muito meu amigo, não me deixa faltar nada. Mesmo sem o chamar ele vem cá visitar-me. É graças a ele que ainda cá estou.

PA – Qual é o segredo para se chegar aos 104 anos da mesma forma que a senhora?

Prazeres C – É Deus nosso senhor ajudar a gente.

PA – Como é a sua alimentação? O que mais gosta de comer?

Prazeres C – Olhe… couves com feijão, grelos, batatas, feijão verde, arroz, massa, favas, ervilhas, feijão com hortaliça, coelho, galinha, frango… Não gosto de manteiga, não gosto de carne de vaca, borrego, carneiro, cabrito e não gosto de leite e de cereais, também não.

PA – E doces, gosta?

Prazeres C – Gosto, gosto. O que é doce nunca amargou! (Risos)

PA – Dona Prazeres, muito obrigado por nos ter recebido de forma tão simpática na sua casa e obrigado pela entrevista que nos deu…

Prazeres C – Obrigado.

PA – O que vai fazer agora?

Prazeres C – Vou soltar as ovelhas.

NOTA: No antigo site do Portal esta página foi lida 1374 vezes

Em nome do Portal de Alcanede, queremos agradecer as colaborações de Vítor Graça e da filha da Dona Prazeres Carvalho, Deotilde Filipe na preciosa ajuda que nos deram para que esta conversa fosse possível. Um obrigado também aos amigos da Dona Prazeres, que marcaram presença no dia da gravação da mesma, em particular à senhora Maria de Lurdes e aos senhores Américo Santos e Fernando Formiga.

Bem Hajam.

Paulo Coelho
Carlos Coelho

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