Quinta-feira ,18 Abril, 2024
Sociedade

Tem origens em Alcanede – A mulher de armas que une a comunidade portuguesa

Formou-se em Gestão aos 57 anos, já com quase 40 de trabalho. Mudou-se para a Florida há dez anos e tomou as rédeas do clube mais português neste estado dos EUA.

 

Para Maria Elizabeth, reforma até pode rimar com Florida – e garante que não há melhor sítio para viver esses anos -, mas nunca com descanso. Ao chegar ao Portuguese American Cultural Center, apresentações feitas por um dos mais gentis e relevantes membros da comunidade portuguesa em Palm Coast, Tony Amaral, encontro-a em plena atividade. Vai dando orientações para a direita, encomenda um café para a esquerda – “quer assim, simples”, pergunta-me -, responde a três assuntos diferentes com a agilidade de quem conhece por dentro o funcionamento da casa. Mesmo depois de se sentar para conversar comigo no pequeno gabinete, vibrante de artigos em desenvolvimento para as celebrações do Dia de Portugal, vai sendo interpelada por cabeças que surgem a espreitar, perguntas rápidas a que responde com a eficiência que lhe marca o carácter.

beta 01Aos 68 anos, é tudo menos a imagem de uma reformada na Florida. Os seus dias fazem-se a planear eventos, a criar formas de trazer vida e atividade ao clube, a organizar coletas para ajudar alguém mais necessitado da comunidade portuguesa, a apresentar os recém-chegados – “todas as semanas encontro um casal novo, é incrível” – a quem já ali vive há décadas. Ou a escrever sobre o que ali se passa para o Luso-Americano, jornal fundado em 1928 que é hoje o único órgão de informação em língua portuguesa a chegar a todos os Estados Unidos, de que é correspondente desde 2014.

Não é nova, esta energia que a faz querer estar em tanto ao mesmo tempo e ser até capaz de vender gelo a esquimós, como descreve o amigo Tony Amaral, que me conta que foi com a chegada dela que o clube ganhou uma nova vida. Maria Elizabeth é assim desde criança. Pede-me desculpa por não falar hoje um bom português – que na realidade fala, ainda que entrecortado de expressões típicas da língua que lhe fez a esmagadora maioria das conversas no quase meio século que passou em Nova Jérsia -, enquanto me conta que quando chegou aos Estados Unidos, aos 15 anos, com a irmã de 9 e os pais, levava na bagagem apenas dois meses de inglês.

“Lembro-me de saber as respostas nas aulas de História, levantar o braço e depois ficar engasgada porque não conseguia dizer nada… Nem sabia o suficiente para pedir que não me tratassem por Maria, mas antes por Elizabeth, porque em Portugal éramos todas Marias.” Aprendeu depressa e bem, mas não a tempo de poder evitar ficar Maria até hoje, entre os amigos americanos.

Relata-me como a vida a levou ali. “O meu pai tinha um negócio em Portugal mas passava dificuldades por não ser partidário do regime de Salazar e a sorte de ter nascido no Brasil garantiu-nos a passagem para os Estados Unidos. Nessa altura ainda nem havia eletricidade em Alcanede (Santarém), mas no café do meu pai havia um gerador e juntava-se tudo ali a ver touradas e futebol.” Talvez lhe venha daí esta apetência pelo convívio e pela promoção de atividades que juntam as pessoas, que apesar de tudo – incluindo ter conhecido o marido, de Valença do Minho, numa dessas associações – descobriu tarde.

“O meu pai detestava que andássemos em clubes de portugueses, levávamos a semana toda para convencê-lo a deixar-nos ir aos bailes do clube português em Newark.” O facto de ter de se deslocar para Nova Iorque para prosseguir os estudos também não agradou ao pai e Maria Elizabeth teve de deixar para trás a bolsa universitária que conquistara para seguir a sua vocação artística. Prática e empenhada, atirou-se então a um trabalho na maior companhia de gás e eletricidade de Nova Jérsia, na qual trabalhou até à reforma mas onde ia saltitando entre os trabalhos mais diversos. “Enjoava-me fazer sempre o mesmo, por isso de cinco em cinco anos mudava tudo, fazia equipa ora com engenheiros ora com técnicos ou informáticos… sempre a tentar dar o meu melhor.”

Foi já com dois filhos crescidos – a que hoje soma três netos entre os 11 e os 3 anos – que, a par do trabalho, decidiu meter-se no curso de Gestão. E tinha já 57 e a reforma conquistada quando acabou as cadeiras em falta e levou para casa o canudo. “O curso já não me traria nada, mas era uma questão de honra.” Foi também esse o drive que lhe conquistou o posto de correspondente do Luso-Americano em Palm Coast. “Desde miúda que gosto de escrever e via muito pouco no jornal sobre a região, então comecei a escrever e a tirar fotografias ao que aqui acontecia e a enviar para lá.” Três anos depois, era correspondente oficial. “Vou dando conta das novidades, dos negócios locais que surgem, faço pequenas entrevistas… no fundo isto também serve para a comunidade se ir conhecendo.” E talvez as suas histórias também ajudem a criar essa aura mágica que tem levado um número crescente de portugueses a Palm Coast.

Quanto a Maria Elizabeth, chegou ali pela primeira vez numas férias de visita à irmã e apaixonou-se de imediato pelo sítio, pelo clima, pelas possibilidades que oferecia – incluindo a de o marido poder ter ali a sua própria horta -, até pelo clube que ali existia, ainda numa versão bem menos sofisticada do que a que o esforço voluntário da comunidade conseguiu criar.

“No mesmo ano em que vim de férias comprei logo um terreno”, conta-me. “E daí a menos de um ano mudámo-nos e fomos encontrando imensas pessoas da nossa idade que conhecíamos de Nova Jérsia.”

A chegada ali e o tempo livre de sobra empurraram-na, obviamente, para as aulas de pintura, mas rapidamente foram outras as artes que lhe ocuparam a cabeça e as mãos – e de tal forma que não vem a Portugal há três anos, apesar de durante décadas fazer questão de levar os filhos a conhecer as suas raízes todos os verões (“naqueles anos de adolescência não era pacífico…”, ri-se, “mas hoje adoram”).

“Agora, a minha arte tem sido mais para coisas destas”: mostra-me os livros que fez para comemorar os 25 anos do clube, com pedaços escritos e fotografados da sua história, outro feito sobre o rancho folclórico do Portuguese American Cultural Center. Há de levar-me ainda a ver como correm os preparativos, ali no salão ao lado, para a festa do 10 de Junho – as mulheres a trabalhar juntas, a produzir flores de pano que para mim serão recordação de um dia especial e ajudarão o clube a financiar alguma nova atividade.

“Também vamos ter uma exposição e o içar da bandeira”, orgulha-se. E conta-me como conseguiu encontrar todos os materiais, teares, fotografias documentais e artefactos que relatam a história do linho em Portugal: “Vi-a em Vila Praia de Âncora e adorei – sobretudo porque me lembrou a minha sogra, que trabalhava no campo e a fazer pão durante o dia e à noite tecia, para ganhar mais dinheiro. Então escrevi à organização e consegui que me enviassem as coisas todas para aqui montarmos a exposição de uma arte tão portuguesa nestes dias em que se celebra o nosso país.”

PERFIL: Maria Elizabeth Frazão

Tinha 15 anos e dois meses de inglês quando a família trocou uma aldeia santarena por Harrison, Nova Jérsia. Os pais queriam dar uma boa educação. Conheceu o marido nos EUA, teve dois filhos e três netos e acabou a licenciatura em business administration aos 57 anos. A reforma, em 2007, trouxe-a pela primeira vez a Palm Coast, região pela qual se apaixonou à primeira vista e onde vive há uma década, dividindo o seu tempo entre o Portuguese American Cultural Center, o jornal Luso-Americano, de que é correspondente, e o planeamento de todo o tipo de eventos que tragam nova vida à comunidade portuguesa. Hoje com 68 anos, dizem que é a alma daquela casa portuguesa.

FONTE: https://www.dn.pt/

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