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Sexta-feira ,29 Março, 2024
Artigos de Opinião

Que Islão?

Saber se o Islão representa hoje um perigo, ou mesmo o maior perigo, para o Ocidente e para o Cristianismo, é questão que tem suscitado respostas díspares. Há quem diga claramente que sim. Ao perigo “vermelho” (a cor do comunismo) seguir-se-ia o perigo “verde” (a cor do Islão).

A famosa tese sobre o conflito de civilizações encontraria, assim, a sua confirmação. Para os liberais e laicistas, são sobretudo os valores ocidentais da liberdade e tolerância que estão em jogo, diante de uma religião absorvente e enérgica. Para os cristãos, é a sua liberdade que estará necessariamente ameaçada nos países islâmicos e a identidade dos países de tradição cristã que estará ameaçada diante da maior natalidade e prática religiosa dos muçulmanos.

Reflexos desta mentalidade são o crescimento eleitoral, na Holanda e na Suécia, de partidos que fazem do anti-islamismo a sua bandeira, ou a proibição, resultante de um referendo popular, de construção de minaretes na Suíça.

O escritor norte-americano Robert Spencer é autor de vários livros que também se fazem eco desta mentalidade e findou a organização Jihad Watch com o objectivo de alertar para esse perigo. Nesses livros sublinha várias passagens do Corão que exaltam a guerra e o ódio para com os inimigos do Islão, ou a discriminação contra os cristãos e as mulheres, assim como as opiniões de teólogos que advogam a condenação à morte dos muçulmanos que se convertem a outra religião. Tudo isso em contrate com o Evangelho. Tais passagens, aliadas à concepção tradicional que sublinha a interpretação do Corão como palavra “incriada” de Deus que não admite alguma limitação humana e histórica (o que não sucede com a Bíblia) conduziria, até, ao terrorismo, que não deveria ser encarado como um desvio. Não podem certamente ser ignoradas, e devem ser combatidas com vigor, as violações da liberdade religiosa, e as perseguições aos cristãos, em países islâmicos. Relembra tais violações a mensagem do Papa para o Dia Mundial da Paz.

Mas há, porém, outra perspectiva do Islão. Podem também ser sublinhadas, com igual legitimidade, passagens do Islão que exaltam a paz e a tolerância, de modo particular para com os judeus e cristãos. E também há teólogos reformistas (nem por isso menos convictos) que procuram superar a visão tradicional do texto corânico, contextualizando-o historicamente e adaptando-o à modernidade no respeito pela sua mensagem fundamental (sobre eles, pode ver-se a tradução portuguesa do livro de Rachid Benzine, Os Novos Pensadores do Islão, Tribuna, 2005). Foi a esta perspectiva do Islão, pacifica e tolerante, que se referiu João Paulo II como o “verdadeiro Islão” num célebre discurso que proferiu no Cazaquistão pouco tempo depois de 11 de Setembro de 2001. E também o Pe. Christian de Chérgé, cujo assassinato é retratado no filme “Dos homens e dos deuses”, no testamento em que prevê a sua morte em nome do que considera uma deturpação desse “verdadeiro Islão”.

É neste Islão que se revêem a maioria dos muçulmanos. Que se revêem aqueles teólogos, de várias tendências, que, no manifesto A Common Word (Uma Palavra em Comum), lançam uma proposta de diálogo com os cristãos em torno dos valores comuns de amor a Deus e ao próximo, e a que se refere elogiosamente Bento XVI no livro-entrevista Luz do Mundo (tradução portuguesa da Lucerna, 2010). Ou os que participam nas iniciativas de diálogo da Comunidade de Santo Egídio e do Movimento dos Focolares. Ou os que são apresentados, como exemplos de empenho na paz e na solidariedade, no livro de Michele Zanzucchi “L`islam che non fa paura” (O Islão que não mete medo), San Paolo, 2006. Quanto à “invasão” muçulmana, deve salientar-se que o problema da Europa não está tanto em que nasçam crianças de famílias muçulmanas (sendo que também nestas vão nascendo cada vez menos), mas que nasçam muito poucas em famílias de origem europeia. Tal como não está no facto de as mesquitas se encherem, mas no de as igrejas se esvaziarem ou se transformarem em museus.

Poderá não ser esta a única perspectiva do Islão, a do Islão pacífico e tolerante. Mas há boas razões para a colocar em relevo e enaltecer e encorajar os seus expoentes, como fez João Paulo II e faz Bento XVI. É que a globalização e os fluxos migratórios são fenómenos incontornáveis que colocam lado a lado, inevitavelmente, pessoas de cultura cristã ou ocidental e islâmica. Tudo o que possa favorecer a construção de pontes entre estas só pode favorecer a paz e a harmonia das nossas sociedades europeias e do mundo em geral.

Autor: Pedro Vaz Pato

Texto Proposto: Padre Tiago Pires

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