Os festejos em honra de Nossa Senhora dos Prazeres, em Espinheira, ficaram marcados por um gesto benemérito. Foi durante a homilia proferida pelo padre Tiago Pires e com emoção que Maria Lucília Leal, de 86 anos, conhecida como Dona Mimi pelas pessoas do lugar anunciou a sua vontade, “é com muita alegria que vos participo que depois da minha morte, a casinha anexa à capela ficará para a nossa senhora dos Prazeres e também para todos vós”.
Uma decisão que reuniu o consenso familiar, “o meu filho também sempre me apoiou e achou bem esta atitude” disse ao Portal de Alcanede Lucília Leal, lembrando que a sua mãe” já havia oferecido a terra para fazerem o salão de festas, foi também em nome dela que tomei esta decisão. Sei que estará feliz por ver isto”, desabafou.
Ao lado da casa que futuramente será pertença da capela e que atualmente é moradia de Dona Mimi em Espinheira, vários olhares debruçavam-se para o poço restaurado por vontade da população. A residir em Santarém mas natural da Espinheira, Manuel Inês não escondia o seu agrado “este poço foi recentemente restaurado e foi uma agradável surpresa para mim. Está muito bonito, com uma pedra grande em cima e os respetivos buracos para a água respirar, com duas portas. Está muito bem feito”.
Afinal aquele poço, que agora mais parece um monumento, está carregado de simbolismo e história. E como bom filho da terra, conhecedor da história local, Manuel Inês logo se apressou a dizer, “é um poço muito antigo e que no tempo dos Reis, quando vinham de Sul para Norte, tinham aqui uma paragem quase obrigatória”. Rodeado de alguns amigos que acenavam com a cabeça como concordando com o desenrolar da história, o Portal de Alcanede ficou a saber que nos tempos da monarquia “dormia junto ao poço uma família que fazia a segurança do mesmo para que a água não fosse envenenada”.
A poucos metros do histórico poço já se começava a ver a azáfama própria do arraial em dias de festa e que caracteriza os lugares da freguesia de Alcanede. Antes, decorreu a tradicional procissão em honra de Nossa Senhora dos Prazeres que levou centenas de pessoas a percorrerem algumas ruas do lugar.
No arraial a quermesse, o bar e um palco improvisado para dar lugar à música, este ano abrilhantada pela Bandinha da Moca. Mas na Espinheira existem alguns aspetos que marcam a diferença, “realmente é preciso conhecer um pouco a nossa tradição para perceber como se desenrola a nossa festa”, disse com entusiasmo Jorge Inês. Na verdade as adegas funcionam quase como um roteiro turístico e “de ano para ano aparece sempre mais um ou dois amigos. Vamos à adega do Mário, vamos ao Renato, vamos ao Elísio, vamos ao Zé Emílio, vamos ao Zé Avelino. É um convívio muito engraçado”, como constatou a nossa reportagem.
À conversa juntou-se António Arroteia, o anfitrião que horas antes brindou os amigos e familiares à volta de uma mesa com a melhor gastronomia, confecionada por mãos muito apuradas que deram um toque de excelência ao cabrito, bacalhau com natas, frango corado e doçaria. É assim pelos lados da Espinheira, uma tradição que as famílias não dispensam na arte de bem receber, “as pessoas nestes dias têm o prazer de terem as suas portas abertas, com petiscos e vinho da região. Não há convidados especiais, todos os que aparecem podem e devem participar. É uma tradição que temos há muitos anos”.
Por se tratar de um lugar pequeno, “os elementos da Comissão da Igreja são os mesmos da Comissão da Festa e da Casa de convívio”, admite António Arroteia. Todo o dinheiro que é obtido dos lucros das festas “revertem para o bem da comunidade”, seja para a Capela, para obras, seja espaço público ou aquisição de compra de terrenos (como já aconteceu).
Como manda a tradição as festas em Espinheira são pela altura do domingo de pascoela. A data marca simbolicamente um hábito perdido no tempo, mas que vigorou por várias gerações onde o trabalho árduo do campo era o principal sustento das famílias. Por essa altura, segundo os habitantes locais, institui-se o início da sesta, uma regalia dada aos trabalhadores que tinham direito a duas ou três horas de sesta, para descansarem ao meio da tarefa.