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Sexta-feira ,19 Abril, 2024
Artigos de Opinião

Advento: tudo ao contrário

As propostas que o Advento nos faz vão ao contrário da nossa habitual maneira de pensar, da lógica aparentemente inquestionável com que procuramos reger a nossa vida quotidiana. Este tempo pede-nos para nos concentrarmos intencionalmente na espera, sem pressa, quando para nós esperar é perder tempo e só esperamos quando não temos alternativa.

É um tempo que dá mais valor à rememoração do que nos falta, dos desejos que nos habitam, do que ao fazer e à eficácia. Além do mais, pede-nos para exercitar a espera de algo que já temos. Mas a espera não se justifica só quando o que queremos ainda não está disponível, e apenas enquanto não está disponível? Que justificação pode ter pormo-nos a aprofundar a experiência da espera quando aquilo por que esperamos já nos foi dado? Parece absurdo.

Absurdo, ou condição indispensável para encontrarmos sentido? Quem somos nós, afinal? O que é que nos define? Somos o que fazemos, produtividade e eficiência, sucesso material medido em quantidade produzida e velocidade de execução? É o que temos, o que já conquistámos, o rendimento que somos capazes de mostrar que mede o nosso valor? Ou é o que já obtivemos, o número e variedade das experiências que coleccionámos, a porção de bens que consumimos ou que acumulámos? Se é isto que mais fundamentalmente revela quem somos, então esperar é tempo desperdiçado.

Mas, como pessoas e não máquinas — sujeitos de uma humanidade que se expressa na beleza, no amor, na gratuidade, na fantasia, na busca, na criatividade, no espírito, na fruição, no lazer e não só na dimensão material económica das coisas — não seremos nós, antes, e muito mais profundamente, dom acolhido, desejo, abertura, busca de identidade e de sentido, insatisfação, procura de transcendência, anseio pelo infinito eterno, vontade de comunicação sem constrangimentos, necessidade de amor, ânsia de nos darmos, querer criativo, espera por um devir em que se cumprirá o fim que nos move?

Se é isto que somos, muito mais do que as coisas que se medem exteriormente em quantidades, então precisamos de tempo para nos ligarmos a estas dimensões do nosso ser que a acelerada vida de todos os dias, accionada pelo ídolo da eficácia, nos vai obrigando a adiar permanentemente, até nos fazer chegar ao esquecimento delas. Se não exercitamos o que somos, nunca nos encontraremos. E não fazemos justiça ao que somos se não dermos tempo para experimentar profundamente a espera e o acolhimento.

Portanto, viver o Advento, é importante, é essencial. Mas não é fácil. Porque exige de nós pormo-nos num ritmo, numa sintonia e numa lógica que são tudo ao contrário da maneira de pensar e dos modos de agir que nos tomaram de assalto e nos alienam. É preciso um processo de “desintoxicação” para, primeiro, começarmos a perceber que nas propostas de espera do tempo de Advento há algo de valioso para nós; e, depois, força de vontade para resistirmos às forças, interiores e exteriores, que sempre nos puxam para fora de nós e para fora do momento presente.

E porque não é nada fácil viver o Advento, conseguir “viver ao contrário” por uns tempos, fugimos da proposta em que temos dificuldade em ver sentido, viramos as coisas, de facto, ao contrário e acabamos em consequências que são mesmo absurdas: já estamos a celebrar o Natal, ainda antes do começo do tempo que é suposto prepará-lo. E lá se vai tudo o que poderíamos ganhar, e de que tanto precisamos, com o fecundo tempo do Advento. Não há lugar para ele na nossa vida. Que pena!

Original: Padre Hermínio Rico

Texto Proposto: Padre Tiago Pires

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