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Quinta-feira ,28 Março, 2024
Artigos de Opinião

As vilas de Alcanede e de Pernes na escrita do tempo

Para além de diversos projetos, profissionais e académicos, encontramo-nos a redigir dois ensaios bibliográficos, de maior fôlego, sobre a documentação existente e sobre a produção escrita relativas às vilas de Alcanede e de Pernes. Não caberia em singela crónica, qualquer tentativa de história, por mais resumida que fosse, destas localidades, cujas origens remotas se perdem na “noite da história”.
Pode-se entender este texto, como breve alusão ao assunto despida do aparato teórico desses ensaios, apelando em simultâneo para uma reflexão da importância da memória nos nossos presente e futuro coletivos.

Como por certo o leitor estará ciente, Pernes e Alcanede foram irmanadas na mesma Carta de Foral, outorgada por D. Manuel I, a 22 de Dezembro de 1514. Os privilégios concedidos às duas vilas vieram, sobretudo, legitimar práticas consuetudinárias já estabelecidas e, nesse contexto, medieval, reforçar autonomia das povoações. Porém, não será apenas na Carta de Foral que se reflete a ligação, para além da proximidade geográfica ou da dependência administrativa, entre Pernes e Alcanede. A mesma está bem presente na vasta documentação dispersa nas chancelarias régias, nos fundos de ordens religiosas ou, até, nos registos de mercês, onde se descortina uma história das gentes e dos lugares com significativas afinidades.
 

Por exemplo, hoje, graças à investigação de Luís de Melo e de João Melo Ataíde, sabemos que Padre António Vieira esteve em Alcanede, onde se recolheu alguns meses e redigiu duas cartas ao diplomata Duarte Ribeiro de Macedo. Terá passado por Pernes? Terá esse repouso de António Vieira em Alcanede, alguma ligação ao estabelecimento dos jesuítas em Pernes? São questões em aberto, merecendo investigação futura.
 

Avancemos no tempo. Chegados ao século XVIII, logo em 1726, o capitão de infantaria, erudito e genealogista Simão Froes de Lemos (1675-1759) escreveu o célebre manuscrito Notícia Histórica e Topográfica da vila de Alcanede. Bastaria o facto deste “primeiro historiador de Alcanede” ter nascido em Pernes para, novamente, relacionar a duas vilas. Para além disso, o manuscrito versa sobre todos os lugares do então “termo de Alcanede”, focando-se, em vários fólios, na “descrição do lugar de Pernes”. Esta autêntica “crónica da vila de Alcanede” permanece resguardada de um mais vasto olhar público, ansiando a conversão em livro do texto plasmado nos três manuscritos conhecidos. Apesar da generalidade dos estudiosos apenas se referir ao manuscrito que se guarda na Biblioteca Pública de Évora, recentemente “descobriram-se” duas novas cópias, uma delas no fundo Manuscritos da Livraria da Torre do Tombo (ANTT) e a outra à guarda do Arquivo Histórico Municipal de Santarém (AHCMS), em virtude de aquisição do mesmo pela edilidade.
 

Convirá não ignorar como referências fundamentais, a Alcanede e a Pernes, nas quais por ora não nos detemos, a multiplicidade de corografias e de dicionários geográficos, a História de Santarém Edificada de Inácio Vasconcelos, os trabalhos de Alberto Pimentel e de Francisco Câncio ou, entre outros, os interessantes artigos do Domingo Ilustrado e do Archivo Pittoresco. Foram as abordagens possíveis desde dos finais do século XVIII até aos alvores de novecentos.
 

No século XX adentro, entre vários artigos científicos, crónicas e obras literárias, vieram, pela primeira vez, a lume as monografias sobre Alcanede e sobre Pernes. A Monografia de Alcanede teve a veleidade dos começos, resgatando a memória esquecida do manuscrito de Simão Froes de Lemos, foi escrita, em 1936, por Armando da Silva Duarte. O autor, em gesto supremo de humildade, nem fez figurar o seu nome na edição impressa pela Junta de Freguesia. Com maior fôlego, apresentando a única edição fac-similada do Foral Quinhentista, Joaquim do Vale Cruz trouxe-nos, em 1994, uma leitura da “memória do lugar” em: A Vila de Alcanede. Entretanto, em três cuidados volumes, organizada de forma temática e “sentimental” nos dizeres do próprio autor, Mário Rui Silvestre concretizou o “sonho ancestral” da monografia de Pernes, com Pernes – terra antiga do bairro ribatejano. Já nestas primícias do século XXI, João de Melo Ataíde e Luís de Melo publicaram a Nova Monografia de Alcanede, esclarecendo “mistérios” da história da vila e apontando novos caminhos para a investigação.
 

Existem muito outras obras, documentos, artigos, notícias ou opúsculos relacionados com a história e com a memória destas duas vilas, sobre os quais, por economia de espaço, cometemos o pecado da omissão. Contudo, inaugurou-se 7 de Dezembro, pelas 15h30 uma exposição bibliográfica na Sala de Leitura Bernardo Santareno (em Santarém), onde poderá acompanhar toda evolução da história de Alcanede e de Pernes, na escrita que nos sobra do tempo. O evento estará patente até 10 de Janeiro de 2014, rumando posteriormente, em datas a definir a Alcanede e a Pernes.
 

Essa “escrita do tempo” não se reporta apenas à história, será antes todo o substrato de vida e de memórias através do qual se vai construído a identidade humana, quer das gentes, quer dos lugares, o qual, aqui e ali, vai ficando registado sob a forma de palavras.

José Raimundo Noras

Historiador

Foral Alcanede Pernes 
 

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