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Quinta-feira ,25 Abril, 2024
Entrevistas

Conceição Gaspar: “A maioria dos nossos idosos são muito carenciados”

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conceicaogasparA funcionar há seis meses, o novo lar da Santa Casa da Misericórdia de Alcanede (SCMA) tem superado, com dificuldade, as adversidades. Os problemas financeiros que envolvem a instituição são muitos, mas não fazem baixar os braços de todos os que lá trabalham. O rosto mais visível é o da Provedora. Conceição Gaspar deu uma entrevista ao Portal de Alcanede, onde falou do empréstimo de 300 mil euros que a instituição foi obrigada recentemente a contrair junto da banca, das dívidas que a autarquia de Santarém ainda não liquidou e recordou, que ainda existem pessoas que afirmam que a Provedora “ganha balúrdios”.

A instituição acolhe nesta altura, 30 utentes no Lar de Idosos (lotação esgotada e com longa lista de espera), mais 23 a receberem Apoio Domiciliário e 17 utentes no Centro de Dia.
Cristina Luís, Diretora Técnica da instituição também participou nesta entrevista, que inclui reportagem fotográfica.

SCMA entrevista 1Portal Alcanede – Fazendo a conta ao número de utentes que preenchem as várias valências da Santa Casa da Misericórdia de Alcanede, conclui-se que são atualmente 70 as pessoas que usufruem dos serviços prestados pelo SCMA. Isto confirma a necessidade da existência desta instituição em Alcanede?

Conceição Gaspar – Claro, até porque as necessidades são muitas. Muitos idosos não têm qualquer apoio, nem da família, nem de vizinhos, nem de ninguém. O lar é uma valência que ainda antes de ter iniciado funções já estava totalmente preenchido. A maioria dos nossos idosos são muito carenciados, falta-lhes muito afeto, muito carinho e como tal, é necessário dar-lhes muita dedicação e creio que aqui encontraram aquilo de que precisam. As funcionárias são muito dedicadas, é-lhes pedida muita compreensão, muito amor e acho que elas têm respondido, de uma maneira geral, a todas as nossas petições.
Os idosos sentem-se bem e não há nenhum que diga que não gosta de cá estar. Há casos em que alguns, a esmagadora maioria, são extremamente compreensíveis e acatam as nossas solicitações sempre de boa vontade, mas também existem dois ou três utentes, que para eles tudo está mal! É só naquele momento, se eu ou a Dra. Cristina Luís aparecermos dizem que nunca disseram mal de nada e que está tudo muito bem. Especialmente nestes casos é fundamental a compreensão e dar o devido desconto.

Portal Alcanede – É nesses momentos em que nos lembramos que podemos voltar a ser crianças…

Conceição Gaspar – É isso mesmo. Aliás, volta-se mesmo ao princípio, volta-se a ser criança. Mas, com esta obra e porque nos revemos na obra da Misericórdia, nós sentimos que é necessário que o desígnio seja cumprido. Dar carinho, apoio, contribuir para que estas pessoas se sintam felizes. A família vem visitá-los, mas passam quase toda a semana sozinhos e quando estavam em casa eram semanas e em alguns casos, meses! Portanto, é necessário que eles recebam aquilo de que realmente precisam, porque têm direito a uma vida digna, algo que muitos não tinham em casa. Desde a higiene à alimentação, aos medicamentos tomados na hora exata, aqui encontraram tudo isso. Toda a equipa, desde a direção às funcionárias do lar, aos elementos da secretaria, todos sem exceção trabalham para o mesmo fim, para os nossos utentes, tudo gira à volta deles, sempre.

SCMA entrevista 3Portal Alcanede – São esses os principais contributos que diferenciam um lar de uma Santa Casa da Misericórdia de outras Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS)?

Conceição Gaspar – Sim. Há naturalmente muitas IPSS’S que se dedicam, no entanto, o nosso trabalho baseia-se sempre no cumprimento das obras de Misericórdia. Logo aí, como somos católicos, tentamos implementar, inclusivamente nos que connosco colaboram, esse espirito de caridade. Consolar aqueles que estão tristes e tentar que a solidão deles seja menor. Ao fim e ao cabo, isto não é mais do que praticar aquilo que Deus exige de nós como seres humanos, como católicos. Creio que perante a comunidade que apoiamos, temos feito tudo o que podemos e muitas vezes o que não podemos.
Temos tido muitas dificuldades, muitas. Mas têm sido sempre superadas. Não é por acaso que por vezes digo às nossas colaboradoras, nomeadamente à Dra. Cristina Luís, que quando estamos muito aflitos, por exemplo para pagar alguma divida, digo: – “Deixem lá, não se preocupem. Quando chegar a hora H ele aparece!” E aparece mesmo! Elas são testemunhas disso. Podem chamar-me fanática, podem chamar-me o que quiserem, não me interessa. Eu tenho fé e quando me vejo muito aflita vou ao sacrário e quando de lá regresso trago sempre uma enorme esperança e a verdade é que mais dia, menos dia, tudo se resolve.

Portal Alcanede – O lar está a funcionar desde junho deste ano e não houve uma inauguração oficial. O que se passou?

Conceição Gaspar – Não foi feita uma inauguração oficial por vários motivos. O principal deveu-se ao facto de, não tendo dinheiro e tendo muitas dívidas, não sentirmos disposição para fazer festa. Fizemos a cerimónia principal, chamámos o senhor Padre Tiago Pires que abençoou as instalações, os utentes e as funcionárias, ou seja, o ato religioso ficou feito. É evidente que quando se fala de inaugurações pensa-se logo numa festa, um grande jantar e muitos convidados, isso era impossível. Nós tínhamos e temos dívidas muito grandes

Portal Alcanede – Dívidas resultantes da construção do lar?

Conceição Gaspar – A empresa construtora do lar foi a MiraTerra, pertença do senhor Joaquim Louro, e eles exigiram-nos o pagamento da dívida. Estavam no seu direito, nós devíamos e tínhamos a obrigação de pagar…

Portal Alcanede – Estamos a falar de que valor?

Conceição Gaspar – Naquela altura, 347 mil euros.

Portal Alcanede – Quando refere “naquela altura”, estamos a falar de quando?

Conceição Gaspar – Cerca de um mês, nem tanto ainda. Fomos forçados a recorrer ao banco e porquê? Porque a câmara municipal nos deve muito dinheiro e ainda não nos pagou, nem sei quando o fará…

Portal Alcanede – Peço desculpa, volto a interromper. O valor da divida da autarquia para com a Santa Casa da Misericórdia de Alcanede ainda está acima dos 100 mil euros?

Conceição Gaspar – Ao todo são 174 mil euros. 134 Mil que foram prometidos para a construção do lar e mais 40 mil euros relativos ao facturamento de refeições do ano letivo do ano passado. Caso estas verbas tivessem sido liquidadas, teríamos conseguido abater a divida e não teria sido necessário recorrer à banca. Além disso, tínhamos outras promessas que acabaram por falhar, muito por culpa da situação económica que o país atravessa. Sendo assim, tivemos de pedir, por empréstimo, 300 mil euros que terão de ser pagos num prazo de sete anos com prestações mensais de cerca de 5.500 euros por mês.
Ao tomar conhecimento desta situação o senhor Luís Graça (de Ataíja de Cima – Aljubarrota), que tem sido muito nosso amigo, deu-nos mais 20 mil euros e assim pagámos ao senhor Joaquim Louro 320 mil euros.

Portal Alcanede – Mesmo assim, continua a faltar uma parte à empresa construtora?

Conceição Gaspar – Faltam 27 mil euros. Mas como o PARES (Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais) ainda nos deve 20 mil euros, assim que o PARES nos pague essa verba, ela será entregue à empresa e restarão apenas 7 mil euros, que tencionamos pagar o mais depressa possível. Esse é o nosso desejo. Queremos livrar a Santa Casa das dívidas para depois respirar fundo.

Portal Alcanede – Este tem de ser um esforço conjunto de todos os elementos que compõem a direção, é necessária uma grande coesão entre todos?

Conceição Gaspar – Sem dúvida, essa coesão existe.

SCMA entrevista 4Portal Alcanede – Um empréstimo de 300 mil euros assusta um bocadinho…

Conceição Gaspar – Assusta, mas por outro lado eu sinto confiança. Acho que vamos conseguir ultrapassar as dificuldades sem, como se costuma dizer, “sem tirar o pão da boca”. Fizemos um estudo económico e existe viabilidade para isso. Isso dá um pouco mais de tranquilidade, esperando que o estado em que o país se encontra não pior ainda mais. Tenho a noção de que o próximo ano será muito difícil, mas se a Segurança Social não falhar e as famílias dos utentes também não, tudo vai correr bem.

Portal Alcanede – Ainda no passado dia 27 de novembro, a SCMA realizou uma Assembleia-Geral. Resultou da mesma alguma novidade?

Conceição Gaspar – Toda a Assembleia tem o conhecimento de todas as causas. Sou uma pessoa muito frontal e toda a direção trabalha pela verdade. Como irmãos, todos têm a obrigação e o direito de saberem de tudo o que se passa nesta casa, é para isso que existem as Assembleias-Gerais, para se falar de todos os problemas sentidos dentro da instituição. Os presentes ficaram conhecedores de todas as valências, as dívidas que temos, o que pagámos, o que devemos, o que pretendemos apurar, como fazer face às despesas, ou seja, ficaram totalmente informados.
Felizmente todos concordaram com a nossa atuação e ficámos com a sensação de que todos concordaram com as nossas ações, de resto, ainda tivemos um voto de confiança. È um apoio moral, que nesta altura difícil, se revela fundamental.

Portal Alcanede – Em relação aos funcionários que aqui desempenham funções, estamos a falar de quantas pessoas?

Conceição Gaspar – 28 pessoas.

Portal Alcanede – Muitas em regime de voluntariado?

Conceição Gaspar – Não, apenas cinco ou seis pessoas praticam voluntariado. As vinte e oito pessoas são remuneradas. Em voluntariado contamos com o senhor Manuel Albertino e o senhor Mário (de Aldeia da Ribeira), os pais da Dra. Cristina Luís (Sr. Jorge Luís e a D. Helena Montêz), Dora Nogueira e Dulce Jacinto.

Portal Alcanede – Apesar desses bons exemplos, é caso para dizer que o voluntariado na Santa Casa é urgentíssimo?

Conceição Gaspar – É mesmo. Os nossos idosos precisavam de alguém que lhes pudesse acrescentar algo mais. Um pouco mais de atenção, que falassem mais tempo com eles, que os levassem a passear, dar umas voltinhas aqui por perto, acompanhá-los ao médico, enfim, ajudá-los a passar melhor o seu tempo, e nestes casos as pessoas voluntárias teriam um papel muitíssimo importante. Mas infelizmente não temos encontrado eco.

Portal Alcanede – Sei que a Santa Casa da Misericórdia de Alcanede, como já aconteceu anteriormente, tem preparada para 23 de Dezembro a sua Festa de Natal. Podemos ficar a saber um pouco mais ou é surpresa?

Conceição Gaspar – Vamos ter muitas surpresas. A iniciativa vai ter lugar na A.R.C.A (Associação Recreativa e Cultural de Alcanede) e deverá começar pelas 19h30. Teremos um teatro onde os atores/atrizes serão da prata da casa e tenho a certeza de que será muito engraçado. A equipa costuma empenhar-se muito e este ano assim será, tendo como pano de fundo a vida da nossa instituição. Além disso, também alguns dos nossos idosos irão fazer uma pequena representação. Creio que vai ser muito engraçado. Convidamos toda a comunidade Alcanedense a participar.

Portal Alcanede – Gostaria de deixar alguma mensagem especial aos leitores do Portal de Alcanede?

Conceição Gaspar – Gostaria de fazer um apelo a toda a comunidade que gosta da nossa instituição e que gosta dos idosos. Se puderem colaborar de alguma maneira, não tem de ser financeiramente, mas no apoio moral e no voluntariado de que falámos, são as partes principais em que qualquer membro da comunidade poderá participar e ajudar. Tudo quanto fizerem é bem acolhido e nós agradecemos em nome dos nossos utentes.
Lembro que tudo o que esta direção faz é completamente gratuito, começando por mim. Não recebemos um único tostão. Ainda há muita gente que continua a dizer, apesar de tantos esclarecimentos, que a Provedora ganha balúrdios. As únicas coisas que ganho são dores de cabeça, noites mal dormidas e preocupações até dizer chega. Se calhar ainda dou, não levo, mas deixo e é com muito gosto que o faço.

Portal Alcanede – Obrigado pelas suas declarações ao Portal de Alcanede e muitas felicidades para a Santa Casa da Misericórdia de Alcanede, profissionais, utentes, familiares e voluntários…

Conceição Gaspar – Gostava só de dizer mais uma coisa. Vincar o agradecimento a todas as nossas funcionárias e ao Portal de Alcanede. Vocês têm colaborado muito connosco e graças ao Portal de Alcanede muita coisa boa tem acontecido. Agradeço sinceramente o vosso trabalho e desejo para vós e para a vossa família um Santo e Feliz Natal.

SCMA entrevista 5O Portal aproveitou a visita à Santa Casa da Misericórdia de Alcanede, para falar também com a Diretora Técnica da instituição:

Portal Alcanede – Depois de seis meses de plena atividade do lar da SCMA, que balanço faz?

Cristina Luís – O balanço é extremamente positivo. Claro que o arranque não foi fácil, tínhamos de estar constantemente em alerta para ver se nada falhava. Todos tiveram que se habituar a um espaço, que para nós, também era estranho. Visitámos outras instituições para tentar perceber o funcionamento de algumas coisas, mas inicialmente é impossível colocar de imediato tudo a funcionar em pleno. Agora, seis meses passados, estamos a entrar numa fase de maturidade mas consciente de que há sempre algo a aprender para continuarmos a crescer. Vamos apostar muito na formação, que embora feita no início, é sempre preciso necessário reciclar.

Portal Alcanede – Este é um trabalho muito gratificante? O que sente, enquanto técnica especializada, por desempenhar aqui as suas funções?

Cristina Luís – É muito gratificante. Sabemos que há dias menos bons, principalmente com situações inesperadas relativas à saúde de alguns dos nossos utentes, mas é extremamente gratificante quando ouvimos um obrigado, um sorriso e quando sentimos neles o reconhecimento daquilo que fazemos. Por vezes, um sorriso basta para sentirmos que vale a pena o nosso esforço e o nosso empenho.

Portal Alcanede – Também gostaria de deixar alguma mensagem em especial ?

Cristina Luís – Gostaria de aproveitar para falar da nossa festa de Natal. O objetivo é dar um pouco de felicidade nesta época festiva àqueles que não têm família. Temos casos sociais de pessoas que não têm nada, nem ninguém. Nós aqui, acabamos por ser todos uma família e sendo assim, queremos proporcionar-lhes esse ambiente familiar.

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