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Quinta-feira ,28 Março, 2024
Entrevistas

Padre Diogo: “Fui um bocado diplomata aquando da minha saída”

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pdiogoAntónio Augusto Gonçalves Diogo ou… simplesmente Padre Diogo. Natural de Casteleiro, concelho do Sabugal, distrito da Guarda, foi ordenado sacerdote a 15 de Agosto de 1963. Depois de dois anos na guerra do ultramar (Guiné), veio para Alcanede a 15 de Dezembro de 1974. Aqui esteve durante 27 anos. Hoje guarda com saudades as memórias de outros tempos na nossa paróquia e apesar de estar a exercer a sua vida sacerdotal em Rio Maior, não deixa de estar actualizado sobre a terra a quem dedicou quase 30 anos da sua vida. O Portal de Alcanede foi visitá-lo a Rio Maior, onde vive e onde continua a exercer a vida sacerdotal.

Portal Alcanede (PA) – Sr. Padre Diogo como é que se deu a sua vinda para Alcanede? Recorda-se bem?

padrediogo1Padre Diogo (PD) – Recordo. Estava a terminar a minha prestação de serviço militar na Guiné, onde fui capelão durante 2 anos e como não estava interessado em continuar a vida militar, a diocese do patriarcado (nessa altura era assim designada), através do Sr. Patriarca António Ribeiro deu-me a escolher duas paróquias, Alcanede e Benedita. Eu disse-lhe que gostava muito do Ribatejo e decidi optar por Alcanede. Não conhecia a terra, tinha passado apenas pelo cruzamento duas ou três vezes. Além disso, entre nós (padres) havia uma certa gíria popular de “Benedita… Isso não!” Não só pelo muito serviço, mas também por um certo enredo lá existente. Havia uma certa relutância por Benedita.

PA – Quando chegou a Alcanede em 1974, o que pensou de um lugar, que para si era completamente desconhecido?

PD – A primeira sensação foi “Não sei nada disto, tenho de procurar conhecer a realidade humana, social e eclesial de Alcanede.” Dei-me conta da multiplicidade de lugares que existiam. Eram 16 lugares e a Igreja paroquial, logo, pouco a pouco fui conhecendo o que tinha, mas a freguesia é muito grande. De Valverde aos Casais da Charneca são 12 Km’s, e ainda não havia alcatrão como hoje.

PA – Qual foi impacto que sentiu quando aqui chegou?

PD – Senti-me bem acolhido pela comunidade de Alcanede, não apenas na sede, mas em todos os lugares. Lembro que no dia da “tomada de posse” dada pelo Sr. Bispo D. Manuel Falcão, além da cerimónia na Igreja Matriz, fomos para uma garagem (onde hoje é o estabelecimento do Sr. Joaquim Bento) no São João e aí foi o beberete e algum divertimento onde deu ainda para eu cantar um fado (risos). Outra coisa que não esqueci, foi o facto de não ter levado o meu carro para esse convívio e quem me deu boleia de volta a casa foi o Sr. Jesuíno das madeiras num vw que tinha, nunca me esqueci desse gesto também.

PA – Ou seja, de uma maneira geral o relacionamento com a comunidade alcanedense foi fácil?

PD – Sim, foi fácil. Eu também sempre fui muito comunicativo, não tenho nada de introvertido. Aliás, eu comecei a fazer uma coisa inaudita naquela altura! Comecei a ir ao café (risos) ou à taberna, não me importava nada.

PA – Como é que as pessoas viram esse dado novo (naquele tempo), o Sr. Prior ir ao café?

PD – Ao princípio estranharam um bocadinho (algumas pessoas), mas essa estranheza caiu rapidamente e continuei sempre a ir. Para mim o café não é apenas o liquido que está na chávena, é o envolvimento social, humano, o estar com as pessoas. Não gosto do isolamento. Gosto de ter momentos de silêncio, mas adoro comunicar e estar com pessoas.

PA – Durante a sua vida de sacerdócio nunca lhe assolou a ideia de mudança para uma outra direcção vocacional?

PD – Não. Quando fui estudante eu coloquei o problema a mim próprio algumas vezes, mas a minha posição foi sempre muito determinada. Nas férias eu convivia sempre como muitas raparigas, estudantes, pessoas que iam passar férias à minha terra e tive sempre este sentido daquilo que Deus queria de mim. Ou seja, a consagração, o serviço Dele e para Ele servindo as pessoas.

PA – Ainda em relação a Alcanede de 1974. Quais foram os grandes desafios que se lhe colocaram?

PD – O maior desafio que senti, além da evangelização e da comunicação dos valores cristãos, foi sentir a urgência de promover uma maior unidade nas pessoas. O facto de serem muitos lugares e alguns com um bocadinho de “dentinho afiado para a sede” e tentei ajudar a essa unidade através de vários encontros a nível paroquial, mas alguns lugares corresponderam mais, outros nem tanto. Se calhar ainda hoje é assim. Na verdade não consegui essa unidade total. Eu sempre pensei numa unidade de uma paróquia como um pai pensa a unidade dos seus filhos na família.

padrediogo3PA – Há algum momento especial que tenha ficado para sempre na sua memória durante a passagem por Alcanede?

PD – Há vários. Alguns muito dolorosos, por exemplo quando jovens faleciam em desastres como aquele que levou 4 jovens do Vale da Trave. Esse momento foi muito complicado. No sentido mais de alegria, para mim era motivo de grande satisfação o pressentir que Alcanede tinha e tem muitas capacidades humanas, artísticas e de abertura à cultura. Havia representações teatrais. Existiam 3 bandas, a de Alcanede, Gançaria e do Xartinho e muita capacidade cultural.

PA – O Sr. Padre Diogo porque é que saiu de Alcanede, foi vontade sua?

PD – Nesta vida sacerdotal é preciso que as “águas sejam movimentadas” e eu cheguei a um certo ponto em que de forma consciente pensei que seria chegada a hora de outro fazer a tal movimentação das águas, no sentido simbólico como a bíblia também refere.

Ao fim de estar em Alcanede 12 anos eu disse ao Sr. D. António Francisco (que foi o primeiro Bispo de Santarém), “ Julgo que já cantei o que sabia em Alcanede!” Ele respondeu: “Deixe estar que depois vemos.” E esses 12 anos transformaram-se em 27, estive depois disso mais 15 anos em Alcanede. Por tudo isto, continuo a sentir-me de Alcanede e quer com o Sr. Padre Nuno e o Sr. Padre Tiago muitas vezes falamos, pergunto-lhes coisas e eles respondem. Não sou indiferente às realidades de Alcanede, se bem que como pároco que estive e saí, não devo ser um intrometido.

PA – No dia em que saiu de Alcanede, o que sentiu?

PD – Fui um bocado diplomata aquando da minha saída. Eu não disse a ninguém que ia embora. Apenas dei a entender que a minha vida estava a ser feita mais em Rio Maior e pessoas que me conheciam um bocadinho melhor até me chegaram a dizer: “O Sr. Padre fez isto de tal forma que quase não demos por isso!” (risos). Na verdade eu já vinha a Rio Maior há dois anos, não havia pároco próprio e tudo era feito por escalas.

PA – Acha que a Igreja no geral está a passar por uma crise de vocações? Como é que se deve combater essa tendência, de resto assumida pela Igreja?

PD – Crise de vocações há. Antes desta crise que agora se fala o Homem estava em crise e sobretudo em crise de valores e com a Igreja acontece o seguinte: As vocações não caem do céu, elas são o resultado de uma maturidade do Homem e qualquer vocação, seja do sacerdócio, seja da vida missionária, religiosa, seja do casamento (família), qualquer vocação exige maturidade pessoal. Além disso, é indispensável que exista da parte da família e da sociedade o espaço de vivência e reflexão sobre os caminhos a tomar. Normalmente os pais não abrem o leque de possibilidades vocacionais aos filhos, no máximo dizem “Vais estudar para teres um bom emprego e um bom ordenado!”. Esta é a visão no conceito geral. Todos sabem que muitas vezes as pessoas têm os bolsos cheios de dinheiro e não são felizes, existem muitos exemplos.

padrediogo2PA – Estamos perante a Igreja que sonhou um dia… Ou esta é apenas uma parte dessa Igreja?

PD – Respondo com uma frase que não é minha (é de um pensador francês) … “É a realidade que esperava e ainda não.” Porque a Igreja como uma família é um acontecimento dinâmico, a Igreja não pára numa meta.

A visão que eu hoje tenho da Igreja, é uma visão que não me deixa tão cómodo como aquela que tinha 47 anos atrás quando me ordenei. Nessa altura havia uma paz existencial e hoje, tal como a sociedade, me deixa alguma dor. Não é uma dor mortífera, é uma dor de cruz, que não me esmaga mas sim, a saber esperar, a confiar num Deus que está presente aos Homens e nunca nos abandona. Deus nunca volta as costas ao Homem.

PA – Gostaria de deixar alguma mensagem em particular a todos os alcanedenses?

PD – Sem querer esquecer seja quem for, gostava de dizer que para mim, a família Líbano Monteiro foi uma grande ajuda no meu ideal, principalmente a dona Mariazinha. Ela era consagrada (pertencia aos auxiliares do apostolado) e muito dedicada à Igreja, não só pela vivência, mas pelo acolhimento que fazia a tanta gente. Funcionava como a violeta entre a ramagem.

Estou também a lembrar, por exemplo, o carinho com que a tua avó Deolinda um dia me levou um bolo feito por ela. Há muitas pessoas que recordo com enorme saudade e que tinham grande carinho para com o Sr. prior de Alcanede.

Já agora, gostava de dizer que todos sentissem o calor do meu abraço, porque é verdadeiro e ao mesmo tempo, que continuassem e se possível ainda com mais afinco a desenvolverem as qualidades que têm, sejam no ramo artístico ou cultural e não se esqueçam da vertente desportiva. Tivemos uma equipa de futebol 11 e hoje não temos.

Olhem sempre pela Nossa Senhora da Purificação como alguém que olha a todos com amor de Mãe, mas que deseja que os filhos aceitem a sua mão.

Uma palavra também para o Sr. Padre Tiago, que a luz o acompanhe e que tenha sempre bem presente a sua missão.

PA – Sr. Padre Diogo, muito obrigado pelas suas declarações ao Portal de Alcanede…

PD – Tive muito gosto e estarei sempre à vossa disposição para o que precisarem de mim.

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